DURANTE ALGUNS ANOS, o tema foi tabu. Proibido. Zona interdita a comentários, risinhos e piscadelas de olho. Nada podia ser dito sobre aquele episódio. Ao início foi difícil respeitar a vontade do Pedro (ele não se chama Pedro, mas vamos respeitar, ao menos, o anonimato do rapaz). O tema era demasiado sumarento e propício a piadas para passarmos ao lado. Não era possível ignorar o que lhe tinha acontecido. Mas, com o tempo, e vendo nós como aquilo o tinha traumatizado, lá acabámos por arrumar o assunto num canto da cabeça, com o sinal de «não mexer».
O PEDRO TINHA A MANIA de que era fresco na cama. Tinha-se em boa consideração e achava que, como tinha um palmo de cara e – mais importante – muita lábia, conseguia engatar a torto e a direito. Além disso, era um daqueles irritantes viciados em suor de toalhas de ginásio, vibrava com passadeiras de corrida e fartava-se de tirar fotografias a ele próprio em frente aos espelhos da sala de máquinas (na altura ainda não se chamavam selfies). Durante alguns anos, não lhe conhecemos namorada. Só alguns engates.
MAS O DIA CHEGOU em que aconteceu ao Pedro o que habitualmente acontece aos engatatões cheios de bazófia: encontrou uma mulher à altura dele. Que também se achava a última bolacha do pacote. Gira, alta, inteligente, chata de não se poder ouvir, de tanto que falava das aulas de cycling no ginásio, mas muito, muito jeitosa. Pareciam feitos um para o outro. Mas… a Sandra (também não se chama Sandra) tinha um segredo. Era uma coisa íntima, pessoal, delicada, mas muito preciosa para não se partilhar com os amigos. Por isso, à primeira oportunidade, o Pedro lá nos revelou que a Sandra gostava de sexo violento. Ou melhor, gostava de recriar situações de dominação, em que tanto vestia a pele de dominatrix, com algemas, chibatas, mascarilhas e saltos altos a passear sobre as costas do rapaz, como gostava de ser amarrada, vendada, manietada, dominada. Como na altura ainda vivíamos todos em casa dos pais, esta ideia, associada ao facto de a Sandra já ter casa própria, resultava num cocktail de tautau que todos nos imaginávamos a dar-lhe. Não há como a solidariedade masculina, não é?
ESTÁ BOM DE VER que ele nos pediu o máximo sigilo em relação ao tema e está bom de ver que nos borrifámos todos no pedido – e tivemos material de primeira água para fazer piadas durante uns dias. Conseguimos ser discretos e educados para estar com a Sandra e ela não se aperceber de que nós já sabíamos. Até porque seria difícil de explicar que os amigos do namorado a imaginavam a ela – a namorada do amigo – presa a uma cama de grades, a pedir com jeitinho para lhe darmos umas palmadas.
ATÉ QUE ACONTECEU AQUILO. Naquele fatídico dia de fevereiro, passam por estes dias uns 16 ou 17 anos sobre a data, o Pedro não apareceu no café, como habitualmente. E não avisou. No dia seguinte também não deu à costa e nos outros dias manteve o silêncio. Não atendia o telemóvel, não devolvia as mensagens. Sabíamos que estava bem porque a mãe dele nos garantia que o filho queria apenas uns dias de sossego. Por que razão, nem a própria senhora sabia. Ou, pelo menos, não nos dizia. Só passado um mês soubemos o que tinha acontecido. No calor do momento, num dia em que o Pedro e a Sandra resolveram subir a fasquia das brincadeiras, o rapaz ficou com queimaduras de segundo grau nas costas e nas pernas, resultado da cera quente que ela não soube manipular. Foi parar ao hospital e ainda teve de levar com as piadas dos enfermeiros. Dizem as más-línguas que naquele momento o choque foi maior porque ele estaria nu, de costas para cima, e com um pepino nas imediações. Mas isso nunca ficou provado.
PS: se quiserem brincar às Sombras de Grey, tenham cuidado, ok?[Publicado originalmente na edição de 8 de fevereiro de 2014]