Não tenho certezas absolutas. Não as quero para mim. Só me atrapalham a vida. Tenho certezas, claro, mas não muitas. Apenas as necessárias para avançar e pelas quais procuro pautar a minha conduta. No entanto, estão sempre abertas a discussão e a reavaliação. Daí que afirme, tenho certezas, mas não as enclausuro num absolutismo que as obrigue a ficarem estáticas, permanentes e imóveis.
Não é que ter certezas seja uma coisa nefasta. Estar certo de algo e agir de acordo com isso é elevado, é digno, é o que se pede. Mas ficar agarrado a dogmas, não. Mudemos então o nome às certezas e chamemos-lhes dogmas. E não falo só dos grandes e fracturantes dogmas que incluem política ou religião. Falo dos pequenos dogmas do dia-a-dia. De que a minha vida deve ser uma série de aspirações mais ou menos materiais que espelham o sucesso que tive nos vários empreendimentos a que me lancei, seja o trabalho, o casamento ou a maternidade. De que devemos cumprir uma série de requisitos para nos podermos inserir naquilo que se considera ser a norma. De que devemos julgar os que não se inscrevem nos valores da norma como estando errados, desviados, proscritos.
Há muito que lhe prometi, à vida, que não iria obrigá-la a adaptar-se àquilo que acredito ser o meu destino. Fiz-lhe a promessa no momento em que percebi que a minha imaginação não conseguirá nunca suplantar a imaginação da própria vida e, estando a limitá-la, estou a limitar as possibilidades do meu futuro. Pior do que isso, serei muito mais infeliz quando os planos que fiz com todo o cuidado e muitas expectativas forem por um canudo.
Esperar pouco e contar com tudo é o meu lema. A filosofia que lhe está por trás é mais ou menos esta: não traçar linhas rectas ao meu futuro. Não descartar nenhum dos caminhos por onde a vida me possa querer levar. Não me enformar, nem me deixar enformar.
Por fim, renegar todos os dogmas, na certeza de que serão prisões em vida. Impedimentos para se conseguir aquilo com que nem sonhámos, mas que será porventura melhor do que aquilo que desejámos para nós. Pelo menos, as voltas que invariavelmente a vida nos obriga a dar até termos aquilo que queremos dão-nos tempo para ponderar se é mesmo aquilo que queremos e, no caso de ser, ajuda-nos a encontrar forças que não sabíamos ter. Forças que nos serão precisas no futuro para enfrentar os desafios e obstáculos que se hão-de colocar no nosso percurso.
Não se pense que isto tudo anda ao acaso. Ou, se calhar, anda, nós é que estamos sempre a tentar tirar algum sentido do caos e lemos apenas a informação que corrobora o nosso ponto de vista. Pois, é isto a minha filosofia: acredito que haja sentido na vida, mas estou preparada para aceitar que não haja.
A vida seria bem mais simples se a visão fosse estreita, mas seria também incomensuravelmente mais pobre e desinteressante. Tendo todas as certezas e agarrando-me a elas com todas as forças, a vida far-se-ia por um túnel, a direito, sem desvios, nem perdas de tempo, que bom, que simples, que despreocupação.
Só que a vida nunca deveria ser vivida em forma de túnel. Fomos concebidos para sermos livres. As asas que nos deram podem não ter forma, como as dos pássaros, mas estão lá, assim as saibamos usar. Que triste seria não as querermos utilizar e andarmos sempre de pés assentes no chão, sob a gravidade pesada dos dogmas, que não nos deixa voar e pensar fora das convenções a que nos remetemos.
Quão mais divertido e desafiante é sentirmos que todas as hipóteses estão em aberto. Quão mais cansativo é andar a empurrar a vida a direito, quando ela quer andar enviesada. Não sei se estou certa. Afinal, é esse o gozo da coisa. Nunca sei se estou certa. E sinto-me mais preparada para a vida assim.
ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
19-7-2015