IPO do Porto
Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.
A ala pediátrica do IPO do Porto não pode ser o inferno porque as pessoas que ali trabalham nunca mereceriam passar sua vida na casa do diabo. Que as crianças ali sofram, internadas com suas mães ou seus pais, é sem explicação, um fim de mundo até ao fundo da alma, mas há algo construído pela equipa do hospital que é pura humanidade, uma lição de cuidado, esperança e resistência que nos enternece e educa.
Para quem passa pelo horror de visitar a ala pediátrica do IPO do Porto, tantas vezes a única sobra de paz está no gesto de algum funcionário. O abraço ou a palavra, o jeito paciente como se toca na criança, como se anima a criança – e animar é dar alma -, como se inventa um dia para amanhã, porque se vive à míngua do amanhã, tudo se converte numa aventura gigante e feita de coração à mostra.
Na ala pediátrica todas as pessoas vão de coração pendurado ao peito como colares de ouro para um adorno de barro. Entramos e vemos como se faz um silêncio disfarçado. Quero dizer, existe muito silêncio mas é importante disfarçá-lo com pequenas normalidades, um alarido brando que crie sempre a impressão de vida, de brincadeira, de companhia. E as pessoas com seus colares ao peito podem ter os olhos húmidos, que bem os vi quase sempre, mas os olhos ali precisam de mudar de estação por cada rosto que se olha. Porque as crianças não lhes podem ver as estações frias. São levadas a habitar apenas o ameno da primavera, o mais ameno dos verões.
Eu, como toda a gente, tenho medo da ala pediátrica do IPO. E tenho vergonha de ter medo. Devíamos todos passar por ali a deixar a alegria possível. Seria bom que houvesse diante do IPO uma praça bonita onde as pessoas se juntassem a fazer festas sem ruído, só com presentes e cores, livros bonitos, peluches, e todos os medicamentos que possam faltar nos serviços. Mais camas novas, máquinas esquisitas que verificam coisas no corpo, lençóis branquinhos, televisões maiores, comidas frescas, anedotas das boas que façam rir qualquer um.
Jamais saberia agradecer às pessoas que trabalham na ala pediátrica do IPO do Porto. Não sabemos nada diante do medo tão grande, e diante de como, por causa do sofrimento, nos seguramos por um pedacinho de atenção, um pedacinho da generosa dedicação às crianças que, na verdade, dinheiro nenhum no Mundo pode pagar.
(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)