DE TODAS AS COISAS que o criador resolveu aperfeiçoar depois de concluir com sucesso o primeiro modelo de ser humano, o sentido de humor deve ter sido aquela que mais o divertiu. A sério, ponham-se na pele dele. Perdão, d’Ele. De repente, vocês têm o poder de fazer alguém (só esta ideia já provoca arrepios) à vossa imagem e semelhança – isto é que é capaz de já ser poder a mais para alguns de vocês, mas trata-se de um exercício de imaginação, por isso embebedem-se à vontade com a ideia. Não contentes com isso, vocês ainda podem decidir qual o tipo de coisas com que aquela criatura se vai rir. Se será um tipo que precisa de uma piada ao estilo Benny Hill – grandes decotes, uma mama a saltar por fora e um homem a fazer caretas e a revirar os olhos – ou se será alguém que gosta de se divertir a explorar as pequenas fraquezas humanas, como o Larry David. Irá preferir o humor negro ou delirará com sketches dos Monty Python? Achará piada a programas de apanhados ou torcerá o nariz aos limites do bom gosto com um cartoon ofensivo para alguém – para que conste, não é suposto haver limites nenhuns para a liberdade nos cartoons, mas isso são outros quinhentos.
MAS, MAIS IMPORTANTE do que as coisas que vocês, hipoteticamente, poderiam decidir que iria desencadear uma gargalhada no vosso pequeno humano, seriam as gargalhadas que ele próprio seria capaz de provocar nos outros. E aí já seria precisa uma afinação mais precisa. Aí já seria necessário olhar com mais cuidado para o que tinham em mãos. É que isso é um poder grande. Muito grande. Porque se prende diretamente com um gatilho poderoso para o nosso bem-estar: a capacidade de usar o humor como ferramenta de engate. Mais do que moldar um homem com um órgão sexual de proporções bíblicas, capaz de horas e horas de prazer ininterrupto (medo!) ou criar uma mulher com uma cara de anjo e umas curvas de fazer parar o trânsito, escolher o tipo de humor que ele ou ela teriam como ferramenta para chegar ao coração e à atenção de outras pessoas é um poder extraordinário. Mais: é O poder supremo.
NÃO SE TRATA APENAS de constatar que o sentido de humor – e a sua utilização oportuna – é um extraordinário exemplo de inteligência ou dizer que fazer outra pessoa rir é meio caminho andado para a conquistar. Mais do que isso: o humor pode ser a chave perfeita para abrir todas as portas. Mesmo aqueles ferrolhos ferrugentos da malta que nem acha grande piada a uma boa piada. Porque quando se fala de humor usado como ponte entre duas pessoas não falamos apenas de ser engraçadote. Não falamos da procura da gargalhada como prémio final, como quem olha para o orgasmo como a meta do sexo. Não, o humor é muito mais. O humor é estímulo. É admiração. É encantamento. É sentido de oportunidade. É estar atento. Ao mundo em geral e ao mundo do outro.
NADA SERÁ MAIS FRUSTRANTE para quem gosta de fazer rir outras pessoas do que encontrar um amante sisudo. Daqueles que, mesmo achando graça a alguma coisa, fazem questão de não o manifestar. Apenas com um ligeiro esgar, como se espantassem uma mosca do canto do lábio, em jeito de prémio para o autor da graçola. Mas, ao mesmo tempo, esses são os que dão mais pica. Os que apetece estimular, abanar, procurar caminhos alternativos para conseguir que se manifestem. Que cedam o flanco. Que admitam que gostam.
A SÉRIO: de todo o poder na terra, ter a capacidade de fazer outra pessoa rir é como encontrar o caminho das pedras. O santo graal. A pedra filosofal. E ter o poder de determinar – brincando ao Todo-Poderoso – quão acutilante e desconcertante alguém poderia ser para desarmar os outros com um sorriso… Isso sim, valeria a pena. Ao pé disso, o pirilau grande ou o decote generoso não servem de grande coisa.
[Publicado originalmente na edição de 22 de fevereiro de 2015]