Não há como entender esta alergia que se tem desenvolvido em Portugal contra a política. Para o dizer de forma simplista: cenas de ricos. Coisa de quem arrota de farto, como dizia o meu avô. Um país que lutou anos e anos para decidir sobre o seu futuro, que viu essa primavera dos direitos cívicos chegar em abril, este mês de boa memória em que nos encontramos, há apenas – apenas e não quase, vejam bem – 40 anos, quer agora distância da política como se uma pestilência qualquer a afetasse. Gente que chegou a ser presa por pertencer a um partido político – ou viu isso acontecer a quem o queria fazer – agora nega pertença partidária em praça pública, faz vade retro e renega qualquer filiação conhecida… que não seja a desportiva.
Sim, este é assunto para esta crónica, que anda na maior parte das vezes arredada dos temas que preenchem quotidianamente as páginas dos jornais. Porque esta é uma daquelas questões que atravessam subterraneamente as nossas vidas. Não vou falar da política partidária ou de como um partido quer ganhar ao outro, ter poder, mandar. Aqui, interessa-me a política enquanto questão eminentemente humana, fenómeno antropológico de organização humana. É isso: a política no que ela tem de mais humano.
A política não é doença contagiosa. Ou antes: é. É um vírus que atinge quem gosta de mandar, ou, pelo menos, influenciar o destino. O seu e o dos outros. Da coisa comum. A história dos amanhãs que cantam não é da carochinha. Nela está contido o sentimento mais nobre de quem vai para a política – e não anda longe de se querer mudar o mundo. Tudo o resto são corruptelas que se devem extirpar. Ou seja, não é a política que é um alvo a abater. A política é algo a preservar. A política, meus caros, começa em casa. Da gestão da família à organização do condomínio. Da janela que não fechamos porque queremos uma cidade bonita à forma como apanhamos o dejeto do cão, ou não pomos a música alta para não incomodar os vizinhos.
Esta é uma visão simplista? Oh, tantas vezes nos esquecemos das coisas simples que vale a pena lembrá-las de vez em quando. Representa um perigo tão grande para Portugal e é tão pernicioso para o nosso futuro os que se corrompem ou deixam corromper como os que ajudam a difundir esta ideia de que a política é uma coisa eminentemente negativa. E estamos em tempos difíceis: esta corrente ganha sempre mais espaço em altura de eleições presidenciais. Essas que são as mais fulanizadas de todas. Quando mesmo os políticos se apresentam pelos seus feitos e não pelos partidos a que pertencem, e os não políticos usam qualquer arma para ganhar vantagem: nem que seja essa de se destacarem da política.
E estes são bons tempos para o fazer, estes argumentos calam fundo em muitos de nós, desiludidos. É verdade, os políticos têm-nos desiludido. Há-os detidos, suspeitos, acusados, corrompidos, condenados, obviamente interesseiros e muito interessados nos seus interesses, mais do que vendidos, a fazer pela vidinha. Mas isso não nos deve impedir de perceber que, se há um lugar para julgar um político que não está de acordo com os nossos standards, esse lugar é… a política. E que a forma como ela até equilibra os interesses – ainda que maus –, em vez de ser sempre vista como algo negativo, devia antes levar-nos a refletir sobre a enorme vantagem que isso significa para uma sociedade – basta que aumentemos a forma de controlar esses equilíbrios, como bem fazem os regimes anglo-saxónicos. Agora, a política é e deve continuar a ser uma atividade nobre.
[Publicado originalmente na edição de 12 de abril de 2015]