Foi a pesquisar para o seu livro A Força do Hábito que Charles Duhigg percebeu que tinha uma má rotina: comer um bolo no bar todas as tardes, o que lhe valeu uns quilos a mais. O facto de ter conseguido educar-se deu-lhe alento. O autor quer agora ajudar os outros a entender como um hábito funciona e pode ser mudado.
O que é ao certo um hábito?
_Em termos simples, é um comportamento que começa por ser uma escolha e evolui para um padrão quase inconsciente. Como quando aprendemos a conduzir: para alguém com pouca prática, tirar o carro da garagem exige uma boa dose de concentração para calcular as distâncias, jogar com os pedais e verificar se algum veículo se aproxima enquanto manobra. Com o tempo, todas estas coisas entram no automático, o comportamento torna-se um hábito. E todos os hábitos, sejam eles simples ou complexos, assentam numa estrutura idêntica que funciona por picos: primeiro há uma deixa, um gatilho que diz ao cérebro para entrar em modo automático e qual o hábito que deve adotar. Segue-se a rotina, que pode ser física, mental ou emocional. Por fim, a recompensa ajuda o cérebro a avaliar se vale a pena lembrar este ciclo particular no futuro. Naturalmente, compreender como o hábito funciona torna mais fácil controlá-lo.
Quando é que começou a interessar-se pela ciência dos hábitos?
_Há oito anos, era eu repórter num jornal de Bagdad, ouvi falar num major do Exército que estava a conduzir uma experiência radical de alteração de hábitos em Kufa, uma pequena cidade a cerca de 150 quilómetros a sul da capital. Ele analisou várias gravações de motins e identificou um padrão: a violência era habitualmente precedida de uma multidão que se reunia em praças ou espaços abertos e ia aumentando com o tempo. Entretanto apareciam os vendedores de comida e os espectadores, alguém atirava uma garrafa ou uma pedra, os ânimos exaltavam-se. O major fez então um estranho pedido ao autarca local…
Afastar os vendedores de comida das praças…
_Precisamente. Umas semanas depois, quando um grupo se reuniu frente à Grande Mesquita de Kufa entoando cânticos inflamados, a polícia iraquiana pediu às tropas americanas que se mantivessem alerta. Ao longo do dia os espetadores foram ficando com fome, procuraram os vendedores de kebabs que costumavam estar na praça. Não vendo nenhum, debandaram e fizeram os agitadores perder o ânimo. Pelas 20h00, toda a gente se tinha ido embora. Disse-me o major mais tarde que uma comunidade é uma coleção gigantesca de hábitos partilhados por milhares de pessoas que, dependendo do modo como são influenciadas, podem conduzir à guerra ou à paz. Além de afastar os vendedores de comida, ele realizou dezenas de outras experiências com vista a influenciar os hábitos dos habitantes de Kufa e certo é que nunca mais houve motins.
Quantas das nossas rotinas diárias são influenciadas por hábitos?
_A maioria pode parecer-nos fruto de decisões ponderadas, mas um ensaio publicado em 2006 por um investigador da Universidade de Duke revelou que mais de 40 por cento dos nossos atos diários resultam de hábitos. E apesar de cada hábito ter pouco impacto por si só, com o decorrer do tempo os pratos que pedimos, aquilo que dizemos aos nossos filhos à noite, a decisão de pouparmos ou gastarmos, a frequência com que fazemos exercício, acaba por ter grande influência na nossa saúde, produtividade, finanças e felicidade. Qual foi a primeira coisa que fez quando se levantou hoje de manhã? Tomou um duche, viu o e-mail ou comeu uma bolacha? Que caminho seguiu para o trabalho? E no regresso a casa calçou uns ténis e foi correr, ou jantou frente à televisão? Nenhuma destas decisões foi uma verdadeira escolha. São hábitos.
Qual é o mais comum?
_Roer as unhas é dos mais frequentes em crianças e adultos, e um dos mais estudados. Como o caso de Mandy, analisado em 2006 quando a jovem estudante de pós-graduação, 24 anos, deu entrada no centro de aconselhamento da Universidade Estadual do Mississippi. Toda a vida Mandy roeu as unhas até ao sabugo, ao ponto de ter lesões nos nervos e tanta vergonha que mantinha os punhos fechados quando saía com alguém. O hábito prejudicava-lhe a vida social, mas ela tentara tudo e não conseguia parar. Tornou-se tão mau que ela procurou um terapeuta comportamental que estava a
estudar um tratamento chamado treino de inversão de hábitos. O especialista perguntou-lhe o que sentia no momento exato em que se preparava para levar as mãos à boca, ao que ela respondeu que lhe doía um bocadinho na ponta das unhas. Passava o polegar à procura de unhas falhadas e, quando sentia arranhar, levava a mão à boca e roía-as todas.
Essa dor era o gatilho para roer as unhas?
_Sim, e era um hábito instalado há tanto tempo que ela já nem dava atenção às causas. Pedir a um paciente que descreva o que desencadeia o seu comportamento habitual chama-se treino de consciencialização. O terapeuta perguntou a Mandy porque roía as unhas e ela teve dificuldade em apontar a razão. Lá percebeu que o fazia quando estava aborrecida, a fazer os trabalhos de casa ou a ver televisão. Dizia ela que, após roer as unhas, tinha uma breve sensação de preenchimento – a recompensa pela qual acabara por ansiar. Então o terapeuta ensinou-lhe a mudar a rotina, mantendo o gatilho e a recompensa: sempre que tivesse vontade de levar os dedos à boca, devia meter as mãos nos bolsos ou debaixo das pernas e, a seguir, coçar com força o braço ou fazer qualquer outra coisa que lhe desse um rápido estímulo físico. Uma semana mais tarde, Mandy só tinha roído as unhas três vezes e ao fim de um mês perdera esse hábito. As rotinas de resposta tornaram-se automáticas e um hábito substituiu o outro.
Diz no livro que há hábitos em que importa focarmo-nos mais pela capacidade de iniciarem uma reação em cadeia de mudanças. Que hábitos-chave identificou?
_Podem ser diferentes consoante o sujeito ou a empresa. No caso do exercício, por exemplo, há estudos que indicam que quando as pessoas o fazem habitualmente, nem que seja uma vez por semana, começam a alterar outros padrões nas suas vidas, como alimentarem-se melhor, mostrarem-se mais pacientes, tornarem-se mais produtivas, usarem menos o cartão de crédito. Um hábito-chave tem sempre uma componente emocional: desencadeia o que chamamos de pequenas vitórias porque altera a perceção que temos de nós mesmos. Uma forma de cada um encontrar o seu hábito-chave é perguntar-se que mudança lhe parece irracionalmente assustadora. Como o exercício, que ao início é um bicho de sete cabeças. A partir do momento em que o dominamos, mesmo que a um nível subconsciente, percebemos o controlo que temos sobre o resto.
De que forma podemos quebrar maus hábitos?
_O segredo é perceber que não podemos extinguir o comportamento. Apenas podemos modificá-lo, identificando o gatilho e a recompensa, e escolhendo depois um novo comportamento que pareça conduzir a uma recompensa semelhante. Quando um hábito nasce, o cérebro deixa de participar plenamente na tomada de decisões e concentra-se noutras tarefas. Não sabe distinguir entre hábitos bons e maus, pelo que se tivermos um mau hábito ele fica lá, esperando a deixa e a recompensa certas. Por isso é tão difícil mudar de dieta quando temos o hábito de comer bolachas sempre que passamos pela lata. Ou criar hábitos de exercício quando nos refastelamos no sofá. Mas se conseguirmos criar novas rotinas que se sobreponham a essas, evitar as bolachas e correr torna-se tão automático como comê-las e ficar deitado. Esta é a regra de ouro das mudanças de hábito.
O que é que funcionou para si quando decidiu abandonar o hábito de comer um bolo de chocolate todos os dias?
_Ganhei cinco quilos, a minha mulher já tinha feito uns quantos comentários ácidos, mas a verdade é que todas as tardes ignorava o post-it no computador a dizer «Acabou-se o chocolate» e ia comer um bolo enquanto conversava com amigos. Até ao dia em que identifiquei a rotina de ir ao bar entre as 15h00 e as 16h00, esse intervalo de tempo era a minha deixa. O que motivava o meu comportamento não era a fome e sim a necessidade de uma distração passageira, era essa a minha recompensa. E depois de compreender o ciclo do hábito tentei mudar para uma rotina melhor: punha um despertador para as 15:30, ia até à secretária de um amigo e conversava durante dez minutos. Houve vezes em que ainda comi o bolo, quando ignorava o alarme e me parecia complicado ir procurar um amigo com quem falar. Mas às tantas tornou-se automático.
Até que ponto as coisas podem complicar-se quando o hábito está ligado a uma adição física, como por exemplo a dependência da nicotina?
_Para muitos, a adição não é uma dependência puramente física e sim uma disfunção de hábitos. Cem horas após fumar o último cigarro, já com a nicotina fora da corrente sanguínea, nenhum fumador continua dependente dela. Todavia, todos
conhecemos quem cobice um cigarro vinte anos depois de deixar de fumar. Não é adição, é disfunção de hábitos. E qualquer padrão pode ser mudado, independentemente da idade do indivíduo ou de há quanto tempo se manifesta. Um fumador dificilmente deixa de fumar a menos que substitua os cigarros por outra coisa. Tem de perguntar-se por que razão fuma, se é porque adora a nicotina ou porque é uma forma de socializar. Estudos realizados junto de antigos fumadores concluíram que identificar os gatilhos e recompensas associados ao tabaco, e depois escolher novas rotinas que forneçam idêntica compensação – uma pastilha de nicotina, uma série de flexões, uns minutos de alongamentos e descanso –, torna mais provável que tenham êxito a largar o vício.
Esta teoria das rotinas e recompensas aplica-se não só a indivíduos mas também a grupos. Podemos ver hábitos tanto no atleta Michael Phelps como na pasta dentífrica Pepsodent?
_Sim. Quando Claude Hopkins lançou a campanha da Pepsodent, pensando que os clientes desejavam dentes brancos, descobriu que aquilo que as pessoas procuravam era a irritação suave provocada na boca pelo ácido cítrico, o óleo de menta e outros químicos da pasta. Associavam esse formigueiro a frescura, sem ele não sentiam que a higiene oral estivesse feita. A Pepsodent criou um anseio e é assim que os novos hábitos surgem: associando deixa, rotina e recompensa e cultivando depois o anseio que desencadeia o ciclo. Com Michael Phelps foi igual: ele começou a nadar aos sete anos e, mal o treinador local Bob Bowman viu a constituição do rapaz, percebeu que tinha potencial de campeão, além de uma capacidade para ser obsessivo que é ideal num atleta. Phelps era emotivo, sofria com o divórcio dos pais e tinha dificuldade em lidar com o stress. E Bowman acreditava que o segredo era criar as rotinas adequadas.
Hábitos específicos que tinham que ver com calma e concentração antes das provas?
_Quando ele era adolescente, no final de cada treino, Bowman dizia-lhe para ir para casa e visualizar o filme mental da corrida perfeita. Antes de adormecer e ao acordar, Phelps imaginava-se a saltar dos blocos e a nadar na perfeição, via cada braçada, as paredes da piscina, as voltas, a chegada, toda a competição até ao mais ínfimo pormenor, uma vez e outra. Nos treinos, bastava a Bowman pedir-lhe que ligasse a gravação para Phelps entrar em ritmo de corrida e repetir, na água, aquilo que repetira mentalmente até à exaustão. Uma vez estabelecidas algumas rotinas centrais na vida de Phelps, todos os outros hábitos – a dieta, os horários de treino, as rotinas de alongamento, o sono – acabaram por enraizar-se por si próprios. Transformar um hábito nem sempre é fácil e rápido. Mas é possível.
QUEM É CHARLES DUHIGG?
Licenciado em História pela Universidade de Yale e com um MBA feito na Harvard Business School, trabalhou num fundo de investimento privado antes de enveredar pelo jornalismo de investigação no New York Times, que integra desde 2006. Aí escreveu, juntamente com nove outros repórteres, uma série de artigos de economia vencedores de um Pulitzer em 2013, pela forma como analisaram os desafios levantados pela globalização das indústrias de alta tecnologia. Natural do Novo México, vive com a família em Brooklyn, Nova Iorque.
[Publicado originalmente na edição de 9 de fevereiro de 2014]