Histórias e fortalezas

Notícias Magazine

Quando se diz que «dos fracos não reza a história», não se especifica a que se refere quando se fala de «fracos». São fracos porque, numa luta corpo a corpo, não conseguem vencer dez ma­landros de uma vez? Ou porque não conseguem correr a marato­na sem desistir a meio, ofegantes e agarrados às rótulas, com a marca do desalento no rosto?

Talvez «fraco» reporte à cabeça. «É fraco de cabeça», ou, não tem um quociente de inteligência daqueles que lhe permitam gizar um plano genial para salvar o mundo. Talvez porque não possua a intrepidez necessária, ou a resolução obrigatória para tomar decisões que lhe permitam deixar a condição de «fraco» que o acusa de forma impiedosa e o vota ao anonimato histórico. Ou um fraco será aquele cujo carácter deixa algo a desejar?

Um «forte» seria o seu oposto. Aviaria todos os malandros de uma só vez, ao mesmo tempo que correria a maratona e terminaria em primeiro. Enquanto isso, o seu Q.I. prodigioso ajudá-lo-ia a gi­zar o tal plano para salvar o mundo e resgatá-lo do anonimato e da fraqueza. Tudo feito dentro de uma cristalina moralidade e ética.

A fazer crer na frase feita, nos livros de História rezaria a sua história. Mas não reza. Ou reza a de muito poucos. Quase ne­nhuns. Na verdade, um «forte» que reúna todas estas caracterís­ticas parece-se mais com um herói de banda desenhada do que com um vulto histórico de carne e osso que, através das suas vir­tudes, tenha conquistado o seu espaço na memória colectiva.

O que encontramos mais amiúde nos compêndios de História parecem ser figuras que compensam a força que lhes falta com a fraqueza que lhes vai alimentando a sede de poder. Afinal, parece que «dos fracos não reza a história» precisa de se definir através de outro pedaço de sabedoria popular. Aquele que dita que uma pessoa sem espinha vertebral e integridade pode ser definida como alguém que é «forte com os fracos e fraco com os fortes».

Dentro do jogo de palavras que define a cobardia, não se coloca o sujeito definitivamente em nenhum dos campos – o dos fortes ou dos fracos. A indefinição parece ser mais uma das carac­terísticas que lhe permitem navegar à vista com maior facilidade e sucesso.

Sendo assim, alguém que é manifestamente cobarde poderá não estar apenas votado ao grupo dos «fracos» esquecidos pela História, ao grupo daqueles que não conseguem criar uma história tão incrível que perdure por largos anos. Conseguirá incluir-se, ou imiscuir-se, no grupos dos «fortes». O que significa que de entre eles haverá os que o são por características físicas, psicológicas, intelectuais e morais e os que crescem quando pen­sam ser maiores do que os outros e minguam quando julgam estar perante quem lhes seja maior. A grandeza que atribuem aos outros nunca é de carácter, mas de poder e glória, claro. O mesmo poder e glória que secretamente desejam e que julgam só conseguir alcançar se os usurparem.

Se procurarmos histórias de gente que se fez de forte, mas que no fundo mostra bastante fraqueza, encontraremos. O que contestará a frase com que começámos esta crónica. Dos fracos também reza a história. Poderão ter todo o poder e glória que quiseram, mas tendo alcançado esse estatuto pelo amesquinhar de outros, serão fracos, porque falhos de carácter.

Há ainda um outro grupo. Aquele onde se inscrevem todos os que não querem entrar em nenhuma história que não seja a sua e não pretendem medir forças com ninguém a não ser consigo mesmos. Nem todas as histórias de sucesso se têm de medir pela força do seu protagonista. Há outras qualidades que podem fazer a diferença e assegurar um bom final.

ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

[Publicado originalmente na edição de 11 de maio de 2014]