Dicionário Ilustrado: Cortar

Notícias Magazine

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dedicado a Damien Hirst

Tornar mais lenta uma matéria não significa cortá-la em fa­tias, mas esta não é uma hipótese a desprezar. Há uma certa es­trutura de pensamento que vê o mundo como se fosse um so­matório de carruagens (como num comboio). E tal pensamento, quando aplicado a cada coisa individual, pode fazer dessa coisa um conjunto, composto de partes – um pouco como faz a quími­ca, a física e a matemática. A unidade tem lá dentro oito oitavos, e seiscentas partes de si própria (depois de dividida em seiscen­tas partes). O mundo termina, não no nosso limite de visão, mas na nossa capacidade de corte. Até onde cortamos uma parte? Até onde chega a habilidade? Eis o limite do nosso mundo: coin­cide com o limite de perícia das nossas lâminas.
Trata-se, no fundo, de uma filosofia de fatias. O mundo é uma coisa compacta, mas fatiável. Até o átomo se pode transformar numa coisa grande demais, que incomoda.
A ciência avança por aí. E podemos, é certo, ver neste trajec­to uma certa mesquinhez – mas também, pelo contrário, uma atenção excepcional ao que existe.
O Divino poderá então ser apenas aquilo que vê extremamen­te bem; isto é: aquilo que não é míope (como são os homens).

Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

Publicado na edição de 21 de setembro de 2014