Tornar mais lenta uma matéria não significa cortá-la em fatias, mas esta não é uma hipótese a desprezar. Há uma certa estrutura de pensamento que vê o mundo como se fosse um somatório de carruagens (como num comboio). E tal pensamento, quando aplicado a cada coisa individual, pode fazer dessa coisa um conjunto, composto de partes – um pouco como faz a química, a física e a matemática. A unidade tem lá dentro oito oitavos, e seiscentas partes de si própria (depois de dividida em seiscentas partes). O mundo termina, não no nosso limite de visão, mas na nossa capacidade de corte. Até onde cortamos uma parte? Até onde chega a habilidade? Eis o limite do nosso mundo: coincide com o limite de perícia das nossas lâminas.
Trata-se, no fundo, de uma filosofia de fatias. O mundo é uma coisa compacta, mas fatiável. Até o átomo se pode transformar numa coisa grande demais, que incomoda.
A ciência avança por aí. E podemos, é certo, ver neste trajecto uma certa mesquinhez – mas também, pelo contrário, uma atenção excepcional ao que existe.
O Divino poderá então ser apenas aquilo que vê extremamente bem; isto é: aquilo que não é míope (como são os homens).
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
Publicado na edição de 21 de setembro de 2014