
Se tivéssemos de encontrar o menor denominador comum de todas as guerras entre povos, íamos sempre dar ao mesmo: a diferença. Os homens vivem socialmente sempre na dicotomia entre a diferença e a parecença, entre o que nos distingue dos outros e o que nos une a outros. Sendo o que nos une a uns o que nos separa dos outros. É nessa aglutinação que encontramos o conforto, claro, mas também o poder. E é por muito simples razões que tantas vezes desrespeitamos o diferente: tanto por uma questão psicológica, porque nos tira da nossa zona de conforto, como por uma questão prática, porque nos retira o poder que conquistámos entre os nossos. Isto faz as guerras. E também a escolha dos nossos pares, dos nossos amigos, parceiros, namorados e companheiros de vida. Só não faz as famílias – essas já vêm com as relações todas definidas à partida, que, também por isso, obviamente, dão origem a tantas guerras fratricidas e familiares. Porque calhou termos como primo ou irmão alguém que é água quando somos o vinho.
Esse sentimento continua a prevalecer através dos tempos. Numa passerelle da ModaLisboa, por exemplo. Quando aparece alguém que tem um pouco mais do que a pele colada aos ossos há logo quem venha desatar aos berros, denegrir, enxotar. Dizer: «Tu não és daqui.» E o que é que faz quem foi alvo desse ato de afastamento por excesso de lípidos? Responde na mesma moeda dizendo: «Vocês é que não são normais, suas anoréticas!» E torna e vira. E continua tudo a ser uma questão de poder e território como a mais banal das guerras. Das que dominam a passerelle, as produções e o milionário mundo da moda – talvez não a portuguesa, mas certamente a global – e se sentem ameaçadas pela diferença.
Como de poder é também a questão que leva Alexandre Soares dos Santos a falar dos chineses e do seu investimento em Portugal, que, diz, «detesta». O preconceito leva à generalização com a rapidez que conhecemos e, assim, de uma só vez, o dono do Pingo Doce equipara uma empresa tão séria como o gigante de investimentos chinês, a Fosun, que comprou a Fidelidade e o ES Saúde, com os pequenos negócios de compras de apartamentos para obter vistos. Esta estranha declaração veio, aliás, dar origem ao inédito acontecimento de pôr Soares dos Santos a concordar com Raquel Varela, a historiadora radical que se queixara da abertura de lojas asiáticas em Lisboa.
Quando os bispos reunidos em sínodo, no Vaticano, discutem a integração de práticas familiares diferentes da norma vigente, eles estão, no fundo, a mergulhar no dilema acima descrito. Que continuem a acentuar a diferença e não a integração mostra também como o poder ainda permeia, e muito, o assunto. A decisão de adiar a decisão é tão legítima como o seu contrário – a Igreja é soberana nos seus próprios assuntos, claro – mas esquece que todas as evoluções se fizeram da dialética dos opostos que produzem algo diferente, talvez melhor.
Cosmopolitismo é uma palavra positiva. Perceber o mundo é uma competência que se pede cada vez mais a quem nele vive. E só se pode fazê-lo olhando para o lado e, nessa curiosidade tão humana e tantas vezes esquecida, dizer: «Olha que interessante.» Já a xenofobia e o racismo vivem nos antípodas disso. E alimentam-se da raiva do diferente. Além de todas as consequências humanas que esses comportamentos têm – e do sofrimento que causam – há um ponto que os torna, simplesmente, estúpidos: temos sempre a ganhar em perceber os outros. Que mais não seja da maneira que a estratégia da guerra nos ensina: para os derrotar.
Publicado originalmente na edição de 26 de outubro de 2014