A pontaria da sinonímia

Notícias Magazine

Há sinónimos que deveriam ser desclassificados porque, pa­recendo serem a mesma coisa, não o são. Aliás, se as palavras são como as pessoas, então não haverá duas palavras iguais, na mesma medida em que não há duas pessoas iguais.

As palavras não são pessoas, mas precisam delas para exis­tir. São uma criação humana e reflectem isso mesmo. Há uma pa­lavra para cada gosto, para cada momento, para cada coisa. Mas uma palavra só pouco valor tem. O seu valor multiplica-se quan­do se junta a outras palavras, formando um conjunto que constrói algo. Constrói mundos, pessoas, coisas. Constrói sons. Cria o que antes não existia. Empresta significados ao que já existia mas que não tinha nome. As palavras ajudam-nos a perceber o mundo e, mesmo quando não conseguimos retirar grande significado disto que nos rodeia, são generosas o suficiente para nos ajudarem a criar outros mundos, de onde possamos retirar mais sentido.

Ao mesmo tempo, as palavras prendem-nos e aprisionam–nos. Sem elas, estaríamos aqui sem estar. Não haveria rótulos nem tipos onde nos pudessem enfiar. Tudo seria livre de ser, por­que não teria nome nem som. Mas, defeito de profissão, prefiro um mundo onde cada coisa tenha um som associado, mesmo que possa não definir completamente a coisa que rotula.

Quando uma coisa pode ter mais do que uma palavra a de­fini-la, encontramos os sinónimos. Mas se duas palavras apontam exactamente para a mesma coisa, qual a necessidade de existirem as duas? Tenho para mim que os sinónimos são apenas um atalho que encontrámos para nomear aquilo que achamos ser a mesma coisa, mas que, se perdermos um bocadinho de tempo e observar­mos bem o que estamos a tentar definir, nos aparecerá com peque­nas e subtis diferenças. Como «magia» e «ilusionismo». São palavras que existem o ano todo, mas são mais utilizadas sazonalmente. Como «filhós», «bolo-rei» e «circo», «magia» e «ilusionismo» en­contram a sua época de maior popularidade por alturas do Natal.

Por isso, dei por mim a pensar que, parecendo apontar para a mesma coisa, estas duas palavras não acertam no mesmo alvo. «Ilusionismo» pertence a um mundo muito diferente do mundo da «magia». É um mundo onde tudo tem uma explicação, onde já não há mistérios, porque foram todos desvendados. Quando dizemos que algo é «ilusionismo», sabemos que o que está a acon­tecer é forjado para parecer contrariar as regras, mas nunca as conseguindo, de facto, quebrar. «Ilusionismo» é uma palavra céptica e algo cínica porque nega, precisamente, que possa existir «magia». Por «magia» entendo tudo aquilo que acontece de forma inexplicável e intencional. Ela faz que algo aconteça, subvertendo as regras e nunca explicando de que forma foram subvertidas. Sobretudo, a «magia» faz acreditar que as regras po­dem ser subvertidas por aqueles que dominam a sua arte.

É interessante notar que as palavras «magia» e «arte» surgem, muitas vezes, associadas. A arte de lançar encantos, de criar fascínio. Não será o que todas as artes procuram? Serão, então, as artes, mágicas, sinónimos umas das outras? Palavras que parecem apontar para a mesma coisa, mas que, olhando bem, se apresentam com tonalidades ligeiramente diferentes? Talvez por isso seja a arte, no seu todo, cada vez menos considerada. É que o mundo em que se vive parece dar mais valor ao «ilusionismo» do que à «magia». Diz-se que a culpa não é do mágico, mas do coelho. Eu diria que é da varinha mágica, a verdadeira regente. Mas é cada vez mais difícil perceber de quem será a culpa. E dis­tinguir o ilusionista do mágico.

ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

[22-12-2013]