Jamais em tempo algum?

Notícias Magazine

Querido Júlio,

… e não seremos, ao mesmo tempo, cuidadores e merecedores de cuidados? Parece-me justo!

Por muito que os pais deem desprendidamente amor e afeto aos seus filhos, é natural que esperem que estes sejam capazes de lhes dar de igual forma amor e afeto. Os pais não o fazem para ter esse retorno, mas querem sentir que os filhos se preocupam com eles, que gostam deles e que os ajudam em momentos difíceis. Alguns pais amam os seus filhos acima de todas as coisas e acham que os seus filhos também devem amá-los acima de todas as coisas, mas não é bem assim. Não se pode pensar na relação entre pais e filhos na base do deve e do haver.

Todos os pais podem ter momentos em que se sentem deprimidos, desorientados, angustiados com a vida e com as responsabilidades e impacientes com as necessidades dos seus filhos. É preciso não ter receio de pedir apoio à rede de relações para que promova um reforço ao sistema familiar nesses momentos. Não se deve ter vergonha de pedir ajuda e partilhar momentos difíceis com quem possa mediar as famílias e ajudá-las a sair do caos. Costumo dizer aos «meus casais» que desde cedo, quando nascem os rebentos, seria bom manterem e alimentarem a rede de relações familiar e social para não ficarem isolados. Os outros podem ser balões de oxigénio que nos ajudam a ser melhores pessoas e que podem estancar angústias. É através da partilha que se encontram novas soluções, por vezes distantes daquelas em que se teima acreditar.

Nesta semana alguém afirmava que nunca tinha sido muito acarinhada no seio da sua família, em que não existiram reforços positivos nem ambiente familiar suficientemente saudável para que se tornasse uma mulher segura. Só muito recentemente é que conseguiu compreender que os pais fizeram o melhor que conseguiram por ela e pelos irmãos e que, dadas as circunstâncias, não lhes foi possível fazer mais. É um primeiro passo para se conseguir perdoar e seguir em frente sem mágoa no peito. Mas isso não quer dizer, apesar dos contextos e da forma como a pessoa viveu e vive a sua família, que se afunde nessa dinâmica familiar eternamente. É preciso saber criar fronteiras para impedir que os «agressores» invadam o seu espaço e para sair desse emaranhado de emoções, encontrar um caminho, reconhecer a sua coragem e, com determinação, combater os seus medos. Gostei de conhecer esta mulher valente, espero que o seu espelho consiga refletir o tesouro interior que ela tem e acredite que de facto é capaz de muito mais do que pensa.

Voltando às famílias, acredito que podemos inverter a forma como nos relacionamos uns com os outros. Não acredito na expressão «jamais em tempo algum» porque, mesmo quando a esperança é pouca, há sempre qualquer coisa que pode desorganizar os círculos viciosos e criar uma oportunidade nova. É preciso saber olhar para dentro e perceber que às vezes podemos não ter razão. Está nas nossas mãos alterar a forma como comunicamos com o outro, que tantas vezes leva a uma escalada simétrica de acusações que parecem impossíveis de reverter. Experimente!

[Publicado originalmente na edição de 14 de fevereiro de 2016]