ARTE NA PASSERELLE

Nasceu em Aveiro, estudou no Porto, mas acabou a aperfeiçoar-se em Londres. A visão criativa e artística do jovem designer David Ferreira chamou a atenção dos professores ingleses, que o desafiaram a participar em duas competições, nos EUA e no Reino Unido. Venceu ambas. Passou a ter agentes em Paris e Nova Iorque. Por cá, estreou-se na ModaLisboa. Mas o mercado internacional está de olho nele.

Olhar para a moda recorrendo a referências artísticas como se ambas funcionassem simbioticamente. É esse o objetivo de David Ferreira, o jovem designer de moda que não gosta de se acomodar e quer encontrar uma abordagem estética, «uma nova forma de olhar a moda, para mulheres que não têm medo de arriscar». Pode parecer uma frase feita mas, aos 26 anos, as coisas estão a correr-lhe bem. Ainda há muito caminho por trilhar, é certo, mas se estes primeiros anos forem o prenúncio do que poderá vir aí, então pode esperar-se muito do estilista de Aveiro.

Antes de chegar aqui passou pela Escola Profissional Árvore, no Porto. Aprendeu, estudou, experimentou. E sentiu algumas limitações criativas. Precisava de mais. Por isso rumou às universidades de Central Saint Martin’s e Westminster, em Londres, onde aperfeiçoou desenho, modelagem, corte e estética. «A escola Árvore é muito boa, mas limitadora. Tenho uma linguagem muito própria, não necessariamente original ou inovadora, mas é a minha. Precisei e preciso de estar em contacto com pessoas que me ajudam a perceber se a minha visão faz ou não sentido, apesar de poder ser redundante esta ideia de uma “visão”. A verdade é que acabei por perceber que estou no caminho certo para fazer o que quero, para concretizar uma determinada visão sobre o próprio design

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Foi na capital britânica que trabalhou com nomes grandes do design como Íris van Herpen, Giles Deacon ou Meadham Kirchhoff. Com eles desenvolveu técnicas para conseguir aperfeiçoar novas silhuetas que «libertam a mulher da sua forma natural, dando corpo a uma visão moderna do conceito couture». Criar peças que apelam ao desejo de mulheres incomuns, seguras do seu estilo e um particular gosto por roupa que permite a extensão de si mesmas, unindo a ténue linha que existe entre a moda e a arte. É isso que ele quer. «Não procuro a vulgaridade. Procuro ideias que levam a mulher a ter uma atitude mais afirmativa na sociedade, sem medo de chocar, mas acima de tudo com vontade de se diferenciar das massas. Sei que idealizo uma mulher muito especial e que sei que existe em maior número do que se possa pensar.»

O resultado dos anos de aprendizagem em Londres surpreenderam o próprio David, ainda antes de terminar o curso em Westmister já estava a ser convidado para participar no concurso Vfiles, promovido pela revista norte-americana V Magazine, que anualmente encontra e promove novos talentos dando-lhes a oportunidade de desfilar na Semana da Moda de Nova Iorque e oferecendo agenciamento durante um ano, com exposição em showrooms em Paris e Nova Iorque.

«Nunca esperei ganhar. Fiquei entre os cinco vencedores, desfilei numa das passerelles de referência do momento, a Semana da Moda de Nova Iorque, em setembro do ano passado, e conquistei ainda a oportunidade de ter visibilidade junto de importantes compradores, como o Selfridges ou o Barneys. É a recompensa perfeita para quando se está a começar.»

Depois foi convidado a participar num outro concurso, o Fashion Scout em Londres, onde ganhou o prémio benemérito, que oferece um desfile gratuito na semana da moda da capital britânica e a oportunidade de participar em mais duas edições, em condições especiais. Em seis meses, David Ferreira apresentou o trabalho em duas distintas plataformas de moda. Durante os anos em que estudou nas escolas inglesas, a sua nacionalidade nunca foi um entrave, antes pelo contrário. «O importante era mostrar que se tinha valor e alguma coisa para dar à moda.»

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E como decorre o processo criativo? David gosta de inovar sem limites, cada ideia estudada e explorada sem pensar na pressão da comercialização, que surge a posteriori. «A partir de uma imagem, uma conversa, uma personagem da sociedade atual ou passada, avanço para o desenvolvimento do que pode vir a ser a coleção. Quando está bem estruturada, passo para os materiais, as cores e, então, para a adaptação de algumas sugestões num formato mais comercial, mais cativante à consumidora final.»

Hoje em dia, o designer vive em viagens constantes entre Lisboa, Londres, Madrid, Paris e Nova Iorque, mas o atelier, na Rua Rodrigues Sampaio, em Lisboa, é agora «o espaço perfeito para criar, produzir e atender clientes». Escolheu a capital por ser a base criativa das coleções que quer dar a conhecer dentro e fora do país. «Agora é o momento de explorar as minhas ideias, que são muitas, e de as mostrar».

A estreia por cá ocorreu em março, no Espaço LAB, com algumas peças que estiveram
presentes em Nova Iorque e em Londres e novas ideias, explorando a volumetria em materiais nobres como o couro, os pelos e as sedas. «Quando estou a desenhar gosto de o fazer a lápis de carvão para não me distrair do essencial. Ou seja, os materiais e a paleta de cores surgem sempre depois para ter a certeza de que o resultado é o pretendido.» Discreto, pouco dado às fotografias e à exposição de si mesmo, tem noção do árduo e longo percurso que o espera. «Não tenho ilusões sobre o esforço e a dedicação que tenho de ter. A concorrência é feroz mas estimulante.»

A cantora Björk já usou uma das suas peças e aguarda novas sugestões do designer, que já chamou a atenção de Anne Quay (fundadora do concurso Vfiles). O conceito da marca é assumidamente arrojado, alternativo e moderno, recriando o universo da alta-costura sem ignorar uma postura artesanal na forma como interpreta determinados artefactos. E não descarta a hipótese de vir a ter uma linha de homem no futuro.

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UMA MÁSCARA PARA BJÖRK

Depois de desfilar a primeira coleção na Semana da Moda de Nova Iorque, em setembro, esta ficou exposta num showroom. Foi lá que um dos stylists que trabalham com Björk viu e gostou de algumas peças. Dias mais tarde, a assistente da cantora islandesa contactou o designer português. Marcaram um encontro em Londres para se conhecerem e levar as peças que a artista escolheu – a máscara de acrílico transparente, uma capa de organza e um vestido de pelo. A roupa integrou o guarda-roupa do novo trabalho da cantora e o vídeo de agradecimento de um dos prémios dos Brit Awards, em fevereiro.

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