Margarida Rebelo Pinto

Sísifo sobe a montanha


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Tudo começou na noite de 7 de janeiro quando um agente da PSP iniciou um protesto solitário em frente à Assembleia da República, inconformado com as condições de trabalho, o valor do vencimento e o valor do subsídio de risco que é atribuído às diferentes forças policiais. A aprovação do diploma a 29 de Novembro que atribui subsidio de risco no valor que pode ir até aos 900 euros mensais à Polícia Judiciária, com efeitos retroativos desde Janeiro, facto sobre o qual quase ninguém fala mas que merece ser mencionado, foi a gota de água que fez transbordar o copo da paciência. Pedro Costa foi o primeiro elo de um colar imenso que todos os dias se desdobra e multiplica por todo o país, representando um universo de cerca de 47 mil elementos, distribuídos pela PSP e pela GNR. Estes cerca de 47 mil elementos não são um número, são pessoas como nós, com pais para cuidar e filhos para criar. É comum serem casados, assim como é comum os filhos seguirem as pisadas dos pais na escolha da profissão. Para quem com eles convive, o sonho de ser polícia não é apenas uma fantasia adolescente de quem assistiu a filmes de ação. Servir o país, protegendo o cidadão com a sacrifício da própria vida se preciso for, é muito mais do que um emprego, é uma missão. Sem direito à greve, encontraram uma forma eficaz e ordeira de reivindicação que só é possível numa classe habituada enfrentar intempéries e a resistir o tempo que for necessário até o objetivo ser alcançado. Tal como foi demonstrado na impressionante manifestação em Lisboa na passada quarta-feira, o objetivo é serem ouvidos por quem governa. Sem detrimento para o fundamental exercício de funções da Polícia Judiciária num estado democrático, entendo o protesto porque nenhuma vida vale mais do que outra. Numa profissão em que o perigo faz parte do quotidiano, o valor do subsídio de risco devia ser igual para todos.

Homero, o pai primordial da literatura, narra em «A Odisseia» o destino de Sísifo, rei da mitologia grega a quem os deuses deram o castigo eterno de subir uma montanha empurrando uma pedra, a qual invariavelmente rolava pela montanha abaixo, obrigando-o a recomeçar a tarefa. A pedra de Sísifo tornou-se num símbolo de um trabalho inútil e sem esperança. Miguel Torga deu-lhe vida e alma num belíssimo poema com o título homónimo: Recomeça…/ Se Puderes/ Sem angústia /E sem pressa. / E os passos que deres, / Nesse caminho duro/ Do futuro/ Dá-os em liberdade. / Enquanto não alcances/ Não descanses. / De nenhum fruto queiras só metade.

Por falta de espaço, não é possível citá-lo até ao final, mas deixo aqui um repto aos representantes da democracia portuguesa que serão eleitos a 10 de Março: oiçam uma classe trabalhadora sem a qual nenhum Estado de Direito sobrevive e entendam a legitimidade e a moralidade dos seus apelos e exigências, para que Sísifo consiga alcançar o topo da montanha, desafiando os deuses e o destino ao qual foi condenado.