Margarida Rebelo Pinto

Saudades do futuro


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Foi no verão de 1977 que Francisco Sá Carneiro, Diogo Freitas do Amaral e Gonçalo Ribeiro Telles assinaram o acordo da Aliança Democrática (AD), juntando o então PPD/PSD, o CDS-PP e o PPM. Os verões sempre foram quentes em Portugal, em particular o de 1975 com perseguições, detenções, saneamentos, nacionalizações e ocupações. Depois da Revolução de 1974, o golpe de 11 de Março em 1975 conduziu a exageros dignos de uma ditadura comunista da qual o movimento de 25 de novembro, em reação à tentativa de golpe militar para instaurar um regime de extrema-esquerda, nos livrou do jugo comunista. O Conselho da Revolução ficou para a História pelas melhores razões. Vale a pena recordar a serenidade e habilidade de Vasco Lourenço, Jaime Antunes e Ramalho Eanes na defesa inabalável daquilo que foi o verdadeiro espírito de Abril. O 25 de Novembro foi o triunfo das forças democráticas, tal como a fundação da AD. Poucos sabem ou se lembram que o objetivo de unir partidos em favor da democracia que inspirou Sá Carneiro a criar a Aliança o levou a convidar o PS, que recusou integrar o movimento.

Vale a pena recordar o passado, sobretudo para as gerações mais jovens que cresceram num Portugal democrático e livre e que têm como adquiridos direitos que foram negados a gerações anteriores. Vale a pena recordar o passado, porque sem a plena consciência da nossa história, não podemos desenhar um futuro melhor para Portugal. Quando António Costa diaboliza a Direita em pleno congresso do Partido Socialista de forma enfática e até, de certo modo infantil, está a utilizar a tática clássica à qual nos habituou ao longo de oito anos de governação: independentemente da realidade, a culpa de tudo o que de mal se passa no país é sempre da Direita, fingindo esquecer-se de que não foi a Direita que governou nos últimos anos. O que a nova AD pretende é reunir forças para derrotar uma Esquerda caviar instalada que usou o poder da governação em prol dos seus interesses sem incluir a força da extrema-direita representada por André Ventura. Chega a ser ridícula e até patética a obsessão de alguns meios de comunicação social em invocar o Chega na presença do líder do PSD a propósito de tudo e nada. É como perguntar a um convidado que se senta à nossa mesa 50 vezes seguidas se quer deitar sal na salada de frutas, não faz qualquer sentido.

A nova AD quer reunir a Direita que interessa porque as opções que restam são apostar em André Ventura, cujo partido que representa começa e acaba nele, ou aceitar mais do mesmo de coisa nenhuma, expresso em promessas inflamadas do novo líder do PS que faz campanha como se nunca estivesse estado no Governo que levou o país ao caos na saúde, na educação e na habitação. Em 1977, Portugal também estava mergulhado no caos, viviam-se os verdes anos de uma democracia ainda a gatinhar. Onde estamos, quase meio século depois? Para onde vamos? Que futuro queremos construir para que os nossos filhos e netos cresçam em segurança e liberdade, com educação e dignidade? Precisamos de entender que a mentalidade conformista do funcionário público do deixa-andar, que aceita maus governantes desde que o ordenado seja depositado na conta no dia 20 de cada mês, é perigosa, tal como a abstenção, outro inimigo silencioso da democracia.

A liberdade nunca é um direito adquirido e será sempre um dever a exercer. Votar faz parte desse dever, para podermos ter saudades do futuro que queremos construir para nós.