Joel Neto

O meu protesto


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Uma coisa que os leitores talvez não saibam é que o Fletcher e os irmãos são os melhores filhos do Mundo. Foi uma surpresa para mim também. Com tanta cria, de tanta espécie, em tanto país: a sorte calhou logo a um boneco da Baby TV – a mãe do Fletcher e dos irmãos do Fletcher, nem mais nem menos do que ela.

Pelo menos, não se cala com isso, a (digamos assim) senhora: “Vocês são os melhores filhos do Mundo, vocês são os melhores filhos do Mundo!” E eu sei que, para os senhores que a desenharam, muniram de histórias e levaram ao ecrã, nada disso passa de uma força de expressão, uma hipérbole inofensiva, pouco mais do que uma modinha inconsequente e – como um canal de televisão para a primeira infância não podia enjeitar – passível de decifração em tenra idade. Mas eu acho perigoso.

Porque, se alguma coisa a revolução digital nos trouxe, foi tornar-nos, em simultâneo, infinitamente ávidos de nos apoderarmos do outro e totalmente escassos de curiosidade por ele. Paradoxo que, se virmos bem, está igualmente nessa expressão: o melhor do Mundo. Ou por outra: quando nós nos reclamamos (por exemplo) pais dos melhores filhos do Mundo, estamos a meter no bolso todos os outros filhos sem chegar sequer a olhar para eles.

Chama-se século XXI. Agora temos acesso a tudo, e a única resposta que encontramos para isso é encerrarmo-nos na nossa conchinha, a repetir palavras em inglês e a passar com o dedo as fotografias das férias em destinos exóticos. O Mundo é a bem dizer o nosso quintal. Mas, ao mesmo tempo, conhecemo-lo cada vez menos, aterrados pela necessidade de abarcá-lo depressa.

“Os melhores filhos do Mundo”, o Fletcher e os irmãos? Ah, quem poderia realmente saber quais são os melhores filhos do Mundo, ou os melhores pais, ou o melhor o que quer que seja – pessoa, objecto, lugar, desejo, medo, sonho, esperança? E para quê proclamá-lo tão inconscientemente? Não é, pelo menos, o que eu espero de um canal de TV que se propõe desafiar as sinapses do meu filho bebé.

O que eu espero de alguma coisa – ou de alguém – que pretenda ajudar-me a educar o meu filho é, em primeiro lugar, o fim de todos os absolutos; em segundo, o fim de todas as certezas; e, já agora, em terceiro, o fim de todas as boçalidades. O que eu preciso que o meu filho aprenda, o que o meu filho precisa de aprender é o sentido das proporções.

“Este é o Fletcher, que vive num pontinho ínfimo deste Globo todo. Tem sido um bom filho, tal como os irmãos” – eis o que forma. Tudo o resto é comércio, e mesmo esse pode ser um pouquinho mais culto.