Valter Hugo Mãe

Liberdade Liberdade


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Não tenho senão respeito pela Liberdade paritária, uma feita da aspiração a sermos tão iguais na cidadania que nos possamos potenciar à felicidade de que formos capazes, ao tamanho do engenho, do talento, do sonho que cada um deve nutrir. Celebrarei o grande aniversário do 25 de Abril com o coração posto na esperança e os nervos na resistência, sempre escudado pela memória daqueles que nos trouxeram aqui. Agora, estou na Liberdade. Agora, estamos na Liberdade. Que nunca desmereçamos isto. Que nunca nos passe pela cabeça perder isto. Ao menos isto.

No Palácio dos Anjos, em Algés, com curadoria de Pedro Piedade, em colaboração com Mariana Manta Aires, está a mais brilhante exposição de João Abel Manta, onde o país nos vem às mãos inteiro como um gato magoado. Abel Manta, hoje com 96 anos de idade, é um génio do sarcasmo, escapulindo da censura e sendo pego mas nunca baixando a guarda nem esmorecendo o combate. O país, de facto, vem à sua mão, aninhado de medo e esperança, numa quase ternura que nos comove, porque em tanta atrocidade e bloqueio, mestre Manta soube ver estratégias do ridículo para fazer com o humor o alimento da resiliência e a estrutura para que existisse futuro.

A exposição que vai no belíssimo Palácio dos Anjos tem montagem exímia e um catálogo perfeito. Julgava eu saber da obra de João Abel Manta o suficiente para muita maravilha mas já pouco surpresa. Contudo, volto da visita ignorante, sabedor agora de que muito desconhecia e muita mais maravilha há para ver. Não posso deixar de referir duas colagens de escala generosa que se juntam num canto e que me sensibilizam por sua tradução da multidão em horror e luta. As duas de 1966, “Atentado” e “Treblinka”, são o detalhe insuportável de quem passou. Como se debitados agora pelo tempo e pelo esforço. Aqueles que se trituraram na História para que pudéssemos nós, agora, estar aqui. Estar assim: livres.

Falta-me dizer o mais simples, que a exposição leva o título de “Livre”. E, além da profunda maravilha que é a arte de João Abel Manta como tal, o que nos tem de humildar diante do que vemos é a glória de ter sabido lutar, com talento e uma profunda inteligência, neste instante o que precisamos mais de saber está tudo ali. Se não perdermos o que ali se ensina não perderemos o que há e não largaremos a mão do futuro sempre a perigar.

Com isto: viva o 25 de Abril. Vivam todas as pessoas que nos trouxeram à Democracia. Vivam todas as iniciativas que nos voltam a explicar que nesta data radicam as mais importantes conquistas do país com que todos sonhamos.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)