Estudo inédito, que pode mudar vidas de crianças, apresentado nos Estados Unidos

Durante anos, e por vários motivos, não existiu consenso sobre como tratar as disfunções temporomandibulares em crianças

Pesquisa prospetiva e inédita, nas mãos de uma equipa portuguesa, analisou a eficácia e segurança de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas da articulação temporomandibular em idade pediátrica. Os resultados são significativos.

Uma equipa portuguesa de profissionais de saúde realizou, entre 2019 e 2023, um estudo prospetivo inédito para investigar a eficácia e segurança de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas da articulação temporomandibular (ATM) em idade pediátrica. O trabalho foi publicado na revista internacional Journal of Clinical Medicine, reconhecendo, portanto, o mérito e a qualidade da investigação, apresentada como o primeiro trabalho, a nível mundial, “a desmistificar o tratamento cirúrgico de forma séria em idades pediátricas”.

O médico David Ângelo, cirurgião no Instituto Português da Face, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, liderou o grupo e, no início deste mês, apresentou o estudo nos Estados Unidos, a convite da Sociedade Americana de Cirurgiões da Articulação Temporomandibular, uma das mais prestigiantes instituições da especialidade.

Tudo começa na prática clínica. “Comecei a observar uma procura elevada da minha consulta por pais, com crianças com idades entre os cinco e os 14 anos, devido a problemas nas articulações temporomandibulares e queixas de dores fortes. Alguns casos estavam a fazer medicação diária para a dor e algumas crianças já estavam a tomar antidepressivos”, recorda David Ângelo. O médico decidiu desenhar um estudo, com a sua equipa, para avaliar o impacto de técnicas minimamente invasivas, a artrocentese e a artroscopia, na articulação temporomandibular dessa população.

Durante anos, e por vários motivos, não existiu consenso sobre como tratar as disfunções temporomandibulares em crianças. Por um conjunto de situações, era recomendável esperar até aos 18 anos para algumas intervenções cirúrgicas à articulação temporomandibular de crianças, por receio de causar complicações ou possíveis alterações no crescimento craniofacial, bem como provocar danos irreversíveis.

David Ângelo, cirurgião no Instituto Português da Face, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

O estudo arrancou a 1 de junho de 2019, após aprovação pela comissão de ética, teve uma duração de três anos, incluiu doentes com patologia da articulação temporomandibular, com menos de 18 anos. Dependendo do estado da doença, o cirurgião realizava a artrocentese ou a artroscopia da ATM, duas técnicas minimamente invasivas. Avaliaram-se diferentes parâmetros como a dor, dificuldade na mastigação, tensão muscular, dificuldade na abertura da boca e complicações da intervenção.

O estudo incluiu 26 crianças, todas tratadas de forma rigorosa e metódica – 67% fizeram artrocentese e 33% artroscopia -, posteriormente seguidas por uma equipa de acompanhamento multidisciplinar. Os resultados alcançados mostram uma redução significativa da dor no pós-operatório de quase 90%, uma melhoria da função mastigatória de mais de 96% e ainda a redução dos estalidos intra-articulares em 89% das crianças.

Não tendo apresentado nenhuma complicação cirúrgica nestes tratamentos, foi também possível reduzir a dor média (de 4.04 antes da intervenção para 0.5 após intervenção) e comprovar ótimos resultados da abertura de boca (de 35.5mm para 43mm após a cirurgia).

O número de crianças com estes problemas tem vindo a aumentar, presume-se que devido à sobrecarga, ao stress e ansiedade. O estudo prospetivo vem mostrar que tanto a artrocentese como a artroscopia da articulação temporomandibular beneficiam doentes em idade pediátrica com disfunções temporomandibulares, diminuindo significativamente a dor, melhorando a abertura máxima de boca, evitando a progressão da doença sem complicações pós-operatórias relevantes.

Desta forma, segundo a pesquisa e seus resultados, as duas técnicas representam uma opção eficaz e segura para tratar doentes em idade pediátrica com disfunções temporomandibulares intra-articulares, como mais uma opção nas estratégias disponíveis, oferecendo uma solução minimamente invasiva e efetiva, especialmente quando o tratamento conservador falha. E as evidências revelam que é possível uma intervenção mais precoce nestes problemas de saúde, sem ser necessário aguardar até aos 18 anos de idade.