Joel Neto

Janela para o mundo


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Visto através do monitor com que lhe acompanhamos o sono, o meu filho é ainda mais adorável. Dorme de joelhos, rabinho no ar como um pato da banda desenhada, o rosto muito pacificado. Revira-se estremunhado, enquanto as suas mãos ainda toscas procuram a chucha num afã até, enfim, a empurrarem de encontro à boca. Desaparece do ecrã, obrigando-me a mover a câmara à procura dele – até que o vou encontrar a dormir contra as grades do berço, agarrado a elas como o presidiário já desesperançado numa condicional.

Todas as noites, por esta hora, me sento a trabalhar a esta mesa onde pouco antes comemos, em busca de uma nesga da produtividade – triste palavra – que os primeiros tempos com um bebé em casa pulverizam e, quando se é pai velho, se tem certa dificuldade em recuperar. De cada vez que o monitor se acende, denunciando som ou movimento, já ele está atravessado numa nova posição. Para a esquerda, para a direita, para a cabeceira, para os pés da cama, de barriga para baixo, de barriga para cima e até em espiral – a única coisa que nunca deixa de estar é atravessado.

Às vezes guarda o seu dinossauro muito apertadinho entre os braços. Outras tem-no enrolado ao pescoço, como se se fosse enforcar com ele, e não poucas vezes, sobretudo de início, corri a libertá-lo porque o milagre de ter um filho só parecia encontrar espelho à altura na tragédia de perdê-lo. Ainda há pouco fui acometido de um instante desses, ao aperceber-me de que há muito tempo o ecrã não se acendia – apressei-me a apertar o botão, e o sono dele era tão profundo que o ronco que emitia atravessou as ondas hertzianas e encheu a cozinha à minha volta.

Ressona imenso, o meu filho. Costumo dizer que sai à mãe, embora seja evidente que sai a um tio qualquer.

Não tarda tenho de ir vestir-lhe um saco, porque o monitor marca 19 °C de temperatura e ainda esta manhã, com 20 ou 21 °C, acordou ensopado em xixi, indicando frio (ou então está na altura de mudar para a fralda n.° 6, a ver). Vou vestir-lhe aquele mais leve, das alças, porque apesar de tudo está uma noite amena. Além de que ontem, por esta altura, despertou com tal vigor que demorei hora e meia até conseguir pousá-lo na cama de novo, e o das alças é o menos intrusivo de vestir.

De qualquer maneira, tenho a crónica resolvida, pelo que posso ficar aqui mais uns caracteres, a olhar para o ecrã. É ainda mais adorável ali, o meu filho, ou então é apenas porque está a dormir há imenso tempo e eu já estou cheio de saudades. Amanhã de manhã aí estará a pé de novo, debruçado nas grades do berço – à nossa espera, em silêncio, sorrindo.