Valter Hugo Mãe

Bento de Núrsia


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

A 24 de Março do ano 480, em Núrsia, nascia São Bento, aquele que haveria de ser declarado o Patrono da Europa. Bispo, doutrinador da vida monástica, Bento de Núrsia era gémeo de Santa Escolástica e, diz o povo, milagra com abundância mas não admite prevaricação. É severo. Exige o que lhe foi prometido.

Encontro mais e mais pessoas que se dizem atendidas por São Bento. Será o mais comum dos milagreiros, o mais concreto na concessão generosa do milagre, porque cura os cravos das mãos e outras maleitas, parece de facto incansável na atenção à multidão que o procura. Por nossas bandas do Norte, quase se torna banal que alguém testemunhe a cura que lhe aconteceu, como se fosse possível um milagre ser coisa pouca ou, simplesmente, a normalidade. Por ser abundante, o milagre de São Bento é a nossa normalidade e há gente que garante haver-se curado de doenças mais graves, doenças terminais que desapareceram de qualquer diagnóstico, não deixam rasto. Se isto devia ser notícia? Sim. Creio que sim. Devíamos estudar incansavelmente o que é dos curados para entendermos em que medida o Santo ou o cérebro dos crentes arranja modo de fazer o impossível.

Se eu fosse um herói da Marvel eu queria ter o poder dos milagres. Andar pela rua e curar as pessoas com um raio laser ou com as mãos levantadas como se fosse inventar um sopro. Andaria por aí e todos os aflitos se acalmariam e passariam a estar sanados de tudo, outra vez novos e lúcidos, nutridos e cheios de esperança. Seria um superpoder muito mais decente do que o de voar ou arrastar rochas de mil quilos. Haveria de ter muitos amigos e as terras haveriam de ser muito mais felizes. Era bom que nascessem super-heróis assim em todas as cidades, pelo Mundo fora, para cuidarem de suas populações locais e levar a felicidade por toda a parte.

Não sei se os santos devem ser tornados nossos amigos como se descidos dos pedestais e humanizados de novo, sem seus sangues derramados e rostos em sofrimento, mas sinto que só posso olhar para a fé como para algo que não me traga o medo. Muito ao contrário. Tem de ser algo que me atribua paz e me faça sentir que estarei rodeado da força da alegria. Os santos, por seu lado, são quase invariavelmente representados por suas penas, como se houvessem vivido o inferno para chegar a algum tipo de paraíso. São Bento, contudo, e ainda que mo digam severo, é para mim um professor. Um homem de alguma escola onde posso entrar a qualquer hora para perguntar o que me aflige e tenho sem resposta. Gosto dos santos assim, professores. Que nos milagram sobretudo a ideia. A capacidade de pensar. A auto-estima e a autonomia.

Hoje é dia de aniversário do santo que mais chegou perto de mim. Estarei sempre grato por isso. Parabéns, senhor professor Bento. E obrigado.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)