A Lua e o corpo, a saúde e os mitos

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Afeta ou não o ciclo menstrual? Interfere nos partos antes da hora? Altera o sono e o humor? Influencia o crescimento do cabelo? Há ou não evidências para crenças tão enraizadas? Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

As fases da Lua terão razões que a própria razão desconhece. Tão distante, lá longe, e por vezes, tão perto está este satélite natural da Terra que assume as suas formas e feitios quando o Sol se vai embora. Haverá algum poder desconhecido capaz de afetar o nosso organismo e o nosso comportamento, a hora de nascer e o tempo de descanso? Haverá evidências científicas? O assunto tem as suas ondulações e explicações. Com e sem romantismo e misticismo à mistura.

Os impactos da Lua no ser humano não passam ao lado de muita gente, haverá explicações que batem certo com o que os olhos veem no corpo e no estado de espírito, ora mais melancólico, ora mais efusivo. “O calendário lunar constitui uma forte referência na história da humanidade. A sua interpretação, associada à sabedoria popular, baseada na observação, acabou mesmo por se tornar a justificação para as mais variadas questões ligadas à saúde e bem-estar”, comenta Carlos Portinha, médico, diretor clínico do Grupo Insparya que lembra que, no início dos tempos, o Sol e a Lua eram os únicos recursos para contabilizar o tempo. Daí a atribuição de alguma influência nos estilos de vida e comportamentos. Há crenças que atravessam séculos, que se instalam, que perduram.

Se a Lua move marés, em parceria com o Sol, combinada com a rotação da Terra, será capaz de mexer no líquido amniótico que envolve o bebé na barriga da mãe? A Lua tem dedo nos nascimentos? A lua cheia acelera o trabalho de parto? Há mais nascimentos nesses dias? Haver, haverá, mas a associação direta não é assim tão simples de fazer. Fernando Cirurgião, ginecologista e obstetra do Hospital Lusíadas Lisboa, diretor do serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, recorda que já se tentou provar cientificamente essa relação. “Mas não se conseguiu demonstrar essa evidência”, adianta. Mesmo que haja mais bolsas de água a rebentar em noites de lua cheia e haja famílias com calendário na mão na fase final da gravidez. “Há sempre comentários paralelos que podem levar a sobrevalorizar alguns sintomas, algumas contrações, alguma dor extra”, repara.

A conversa de que os ciclos menstruais são influenciados pela Lua é antiga. A atração gravitacional interfere nos fluidos do corpo? Não há evidências que assim seja e basta pensar no pequeno comprimido chamado pílula que comanda o corpo feminino. Neste caso, o ginecologista fala de uma particularidade. O ciclo menstrual de 28 dias bate certo com o ciclo lunar de 29 dias, período em que passa pelas suas quatro fases, nova, crescente, cheia e minguante. Uma simples coincidência com alguma evidência? Quem sabe.

“O calendário lunar constitui uma forte referência na história da humanidade. A sua interpretação, associada à sabedoria popular, baseada na observação, acabou mesmo por se tornar a justificação para as mais variadas questões ligadas à saúde e bem-estar”, assegura Carlos Portinha, médico
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Em noites de lua cheia, há mais luz no céu. A face visível da Lua reflete a luz solar por inteiro, as noites ficam menos escuras. A lua cheia afeta a qualidade do descanso noturno? O sono não depende da Lua, mas de outros fatores, nomeadamente hábitos durante o dia, a alimentação e o exercício físico. Fernando Cirurgião lembra o que se diz em relação a esse tema. “Em noites de lua cheia, há mais insónias, a luminosidade excessiva pode interferir com o sono. Um ambiente mais escuro versus essa luminosidade externa. Aí há alguma diferença de tempo de sono.” Menos minutos de cama? “Parece não ser assim tão relevante em termos de minutos”, responde.

Crescer mais depressa ou mais devagar?

O calendário lunar influencia o crescimento do cabelo? Há quem associe a fase da Lua a um cabelo mais forte e mais saudável e que vá ao corte ao cabeleireiro com esta ideia na cabeça. Haverá alguma verdade ou não passa de uma crença? O médico Carlos Portinha explica: “Existem muitos mitos em torno do crescimento do cabelo e da sua relação com a Lua. Um dos mais difundidos é que crescerá mais depressa se cortado durante a fase de lua cheia, razão pela qual esta é a altura recomendada para atuar no cabelo danificado”. “Segundo a cultura popular, esta é a melhor altura para fazer crescer um cabelo mais saudável e mais forte. Por outro lado, há quem refira que se o fizer durante a fase minguante da Lua, o cabelo crescerá mais lentamente”, acrescenta o diretor clínico.

A ciência arruma-se nesta questão do cabelo. “A realidade é que não há evidências científicas que comprovem estas crenças. Os ciclos lunares não afetam de modo direto o crescimento do cabelo, que cresce, aproximadamente cerca de meio a um centímetro por mês, independentemente da fase lunar”, revela Carlos Portinha. Há, no entanto, outros aspetos a ter em conta. “É possível que, como a Lua influencia o clima, o cabelo fique mais hidratado e macio nas fases em que há mais humidade na atmosfera. Mas isso não afetará o facto de o cabelo crescer mais depressa ou mais devagar.” A saúde capilar não se separa da saúde do organismo. “Não esqueçamos que as questões hormonais afetam muito o nosso cabelo, bem como os nossos hábitos diários, incluindo o sono”, realça Carlos Portinha.

Lua excluída como aliada para estimular o crescimento do cabelo, restam as provas científicas. “A genética, as hormonas e a idade são as verdadeiras responsáveis da nossa saúde capilar”, garante o clínico do Grupo Insparya . Os hábitos alimentares também influenciam o crescimento e fortalecimento capilar, refletem-se no estado do couro cabeludo e cabelo. “Os hábitos diários e os cuidados do nosso cabelo também podem marcar a diferença entre um cabelo saudável que cresce forte e a bom ritmo e outro débil e frágil.” Há outras coisas a ter em consideração como evitar uma exposição solar excessiva, proteger o cabelo do frio, vento e humidade, não utilizar instrumentos agressivos, ter cuidado ao pentear.

A Lua e o humor. Lua cheia é sinal de má disposição? Pode ser, pode não ser. Esta é também uma matéria em análise, em estudo, sem dados objetivos de associação direta. Nada comprovado como deve ser. Cada fase da Lua pode coincidir com o estado de espírito. Lua minguante e o humor não espevita.

“Acabamos por codificar algumas coisas que a Natureza, com alguma lógica, pode influenciar e condicionar de alguma forma”, reconhece Fernando Cirurgião, ginecologista e obstetra
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Ter a cabeça na Lua é ditado recorrente. Aristóteles, aliás, na Grécia Antiga, tinha para si que a loucura e a epilepsia eram coisas da Lua. Mas nada tem a ver com isso, não há qualquer ligação nestes casos. Cada um tem a sua personalidade e o seu feitio.

Mas nunca se sabe a força que a Lua pode ter. Poderá haver interferências, poderá haver influências. “Acabamos por codificar algumas coisas que a Natureza, com alguma lógica, pode influenciar e condicionar de alguma forma”, refere Fernando Cirurgião.

Voltemos ao cabelo. “A genética e as hormonas influenciam a evolução do nosso cabelo. Cada pessoa é geneticamente única, com uma determinada capacidade de produzir hormonas e fazê-las funcionar.” A má saúde capilar tem responsáveis a quem apontar o dedo: medicamentos, traumas físicos e emocionais, doenças que dificultam o crescimento e provocam a queda, como o caso de problemas de tiroide. “Outras doenças, como a diabetes, o lúpus, a micose ou a tricotilomania, têm uma forte influência na saúde do nosso cabelo, algo que o calendário lunar claramente não faz”, avisa Carlos Portinha. “O calendário lunar não tem nenhum efeito direto sobre o crescimento do cabelo. Os mitos que de difundiram ao longo do tempo acerca da relação entre a Lua e o crescimento do cabelo não correspondem a nenhum estudo científico”, assegura. Mesmo a uma distância de 384 042 quilómetros da Terra, que nunca é constante, a Lua lá anda na sua vida. Do que é capaz, só ela saberá.