Rui Valério: o patriarca que é “uma folha em branco”

Rui Valério é patriarca de Lisboa

É fã de corridas e de bicicletas e desde que foi ordenado padre que está ligado às Forças Armadas. Mas há quem tema que a sua simplicidade não seja suficiente para lidar com “os velhos” de Lisboa.

Corre todos os dias cerca de uma hora e quem o vê na rua, de calções e t-shirt, não reconhece o bispo Rui Valério, novo patriarca de Lisboa. Também sem ser reconhecido, esteve, no verão de 2022, a apagar incêndios com os bombeiros em Ourém e, no segundo fim de semana de agosto, esteve com a irmã nas festas populares da Urqueira, a freguesia onde nasceu, a conviver com os amigos e conhecidos e onde quase todos o tratam apenas por “Rui”. É lá que os mais velhos se lembram do ano em que o “Ruizinho” passou no hospital por causa de uma grave queimadura nas pernas. O acidente marcou-lhe a infância, mas parece não ter deixado mágoas.

“É uma pessoa muito simples, sem mácula, um homem bom”, afirma o padre António Pereira, professor de Rui Valério no Seminário Monfortino de Fátima e “amigo para a vida”. “Tenho pena dele por ter aceite ser patriarca”, diz o mesmo sacerdote. E explica: “Esperava que fosse escolhida uma pessoa com mais experiência e mais idoso, porque o patriarca vai lidar com pessoas mais velhas, com muitos cargos e com alguns hábitos instalados”.

“Ele é rijo, é um marinheiro de água doce, mas é forte”, acrescenta um militar que não quer ser identificado. Em 2018, os Missionários Monfortinos foram instados pela Conferência Episcopal Portuguesa a “dar” um capelão às Forças Armadas. A escolha recaiu em Rui Valério, que, depois de nomeado capelão, escolheu a Marinha como o ramo a que queria ficar ligado. “Começámos a chamar-lhe padre marinheiro e, pouco depois, ele telefonava para os camaradas e apresentava-se como o ‘marinheiro’.”

A ligação às Forças Armadas começou logo depois de ter sido ordenado padre monfortino, em 1991. Um ano depois de ser sacerdote, foi nomeado capelão militar no Hospital da Marinha. Entre 2008 e 2011, foi capelão militar na Escola Naval e, em 2018, tomou posse como bispo do Ordinariato Castrense para Portugal, ou seja, bispo das Forças Armadas e Segurança. As Forças Armadas são a 21.ª diocese portuguesa, embora não tenha espaço físico nem paróquias. “O padre Rui dizia que o local de trabalho dele era onde estivesse um militar, em Portugal ou no estrangeiro”, revela um tenente que, por ser militar, entende que é melhor não se identificar.

A nomeação de D. Rui Valério, a 10 de agosto, pelo Papa Francisco, como 18.° patriarca de Lisboa, o mais alto cargo da hierarquia da Igreja Católica em Portugal, “só foi surpresa para quem não acompanha a vida da Igreja”. “Neste momento, ele é, talvez, o único bispo que é uma folha em branco. Que não tem inimizades públicas, que não é contestado por ninguém e que, mesmo em Lisboa, parece não ter anticorpos”, realça um sacerdote do centro da cidade lisboeta. A posse está marcada para o dia 2 de setembro e o antigo bispo das Forças Armadas assumirá o título de D. Rui I. Será, também patriarca antes de ser cardeal. Se Francisco cumprir a tradição não escrita, a nomeação deverá acontecer no Consistório marcado para Roma, no próximo mês, mas o Papa é conhecido por, quando quer, ignorar as tradições.

Nas novas funções, será difícil para Valério continuar a fazer outra das coisas, para além de correr, de que mais gosta. “Adora o ciclismo e quem lhe tira a bicicleta tira-lhe tudo”, conta o antigo professor António Pereira. Em Fátima, no Santuário, são muitos os que ainda se lembram das peregrinações que fazia com grupos de ciclistas do Alentejo e do Algarve. Também na paróquia de Póvoa de Santo Adrião, em Loures, onde foi pároco, as bicicletas e a corrida matinal faziam parte da rotina do sacerdote.

Na localidade, todos lhe desejam “sorte” e esperam que “o doce padre Rui” consiga levar avante a tarefa de ser bispo de Lisboa.

Na primeira mensagem que dirigiu aos católicos, o patriarca foi cordial e abrangente. Referiu que vai trabalhar “com os jovens e para os jovens”, aproveitando ainda a onda provocada pela Jornada Mundial da Juventude. E não esqueceu os abusos sexuais, afirmando que terá “tolerância zero” aos abusos cometidos por membros da Igreja.

Rui Manuel Sousa Valério
Cargo:
patriarca de Lisboa
Nascimento: 24/12/1964 (68 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Urqueira, Ourém)