Valter Hugo Mãe

O Príncipe da Picaria


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Estou certo de que o Reinaldo Pereira foi o James Bond naquela fase antes do Daniel Craig, porque estou mesmo a vê-lo a saltar dos helicópteros e dos aviões, alambazado de “bond girls” e a beber em flutes de cristal os espumantes mais afrancesados. É comum que as pessoas lhe suspeitem o ar cinematográfico, o garbo de outrora que já não se faz em muitos homens. É comum que discutam a estampa de galã de sorriso pensador e preocupado.

Quem vai ao Ernesto, o restaurante na baixa que se mantém puramente portuense no meio da folia turística, ouve imediatamente falar da presença do Príncipe da Picaria, o senhor Reinaldo Pereira, filho do fundador daquela casa e há muitos anos responsável por uma das salas mais acolhedoras da cidade. A nobreza, na verdade, é criada por cada um segundo seu mérito e brio, por isso, não me espanta nada que o Reinaldo tenha podido estabelecer seu próprio principado e seja visto por quem ali chega como de sangue azulíssimo. Aliás, porque vou ali insistentemente nos últimos anos, testemunho que o Reinaldo é um príncipe cada vez mais encantado. Não se fica pelo comum da espécie.

O que faz o restaurante Ernesto lugar de artistas, jornalistas, académicos, empresários e políticos passa pela cozinha, claro, onde servem a melhor salada de fruta do Mundo, mas passa também pela normalização do debate, a normalização do encontro entre criadores e construtores de toda a espécie, numa cordialidade educada e motivadora. Resolvem-se problemas e imagina-se muito futuro nas mesas daquele restaurante. E é frequente que o Príncipe-Cada-Vez-Mais-Encantado seja convidado para cada mesa, como alguém convidado para cada núcleo de amigos, cada família.

Sou de hábitos fiéis. Sou um cliente convicto. Não vario demasiado meus pontos de conforto. Julgo que preciso de sentir que vou desaparecendo no quotidiano dos lugares por ser tão comum que ali esteja. Gosto de sentir que não há sobressalto nem estranheza. Apenas a normalidade de quem chega à sua própria casa. Por esse motivo, vou ao mesmo café desde o meu tempo de universitário, e quem me muda o café muda-me a alma. E, por esse motivo, vou ao principado que há na rua da Picaria.

O senhor Reinaldo bem pode saltar de aviões, quando chegamos está sempre na mesma alegria de nos ver. E não podia haver melhor elenco para as “bond girls”, desde as senhoras da cozinha, a D. Maria, a D. Elsa e a D. Isabel, até às amigas que vêm à sala, a Gelinda, a Rute e a Fátima, o filme não poderia ser mais digno de prémios nos certames todos da vida.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)