Joel Neto

O melhor amigo


Ainda não os reconheço a todos. Se visse a Vitória e a Sofia na rua, não as saberia diferenciar: são ambas moreninhas, vivaças e de olhos escuros. Mas já distingo o Tiago do Vicente, os dois loiros da turma. A Anastasia (“Anastasia com S”, sublinharam os pais) é a carequinha e a Teresa a outra um pouco menos carequinha. A Vallentina (“Vallentina com dois Ls”, sublinharam os pais) e o David são fáceis: são dos últimos a sair, como o Artur – ela vem receber toda a gente à porta, ele (que tem os caracóis mais incríveis do colégio) fica sentado quietinho. Depois há o João, moreno. A Mafalda, com os seus olhos enormes e brilhantes. A Maria Antónia, de cabelo amendoado. O Martim, com aquelas ondinhas vintage. E o Artur, que é o mais novo e o único que não anda.

Temos sorte: vivemos numa terra republicana, em sentido igualitarista como – pelo menos para a classe média – em sentido platónico. De um certo ponto de vista, todos eles são filhos de nós todos: sei os nomes dos dos outros como eles sabem o do meu. Um dia pode vir a ser de utilidade. Até lá, calculo-lhes as dinâmicas naquele minutinho que levo a entregar o Artur à Beatriz por sobre a meia porta que delimita a intimidade da turma. E todos os dias me pergunto: qual deles será o melhor amigo do meu filho? A qual deles o Artur se juntará, ao chegar pela manhã, daqui a um ano ou dois? Em casa de qual deles pedirá primeiro para dormir? Qual quererá trazer ao jardim, a andar de baloiço com ele e o Pedro?

O Pedro é o filho da Sónia, nossa empregada, e tem só menos 15 dias do que ele. Foi uma coincidência, e das mais felizes: já os juntámos várias vezes (adoraram-se) e o Pedro até ganhou um baloiço ao lado do do Artur, com o nome inscrito num azulejo que o Mário Duarte pintou. Mas os dois calharam em colégios diferentes, não estão juntos todos os dias. O Artur vai ter outro melhor amigo antes do Pedro. Os melhores amigos são formadores, e talvez nenhum como o primeiro. Eu ainda me lembro quase todos os dias do Manuel Aurora. Quem será o do Artur?

A Pilar distribuiu uma foto do Dia dos Abraços em que é o Martim quem o abraça. Mas o Martim é o abraçador oficial da turma: tem irmãos mais velhos, e eles treinam-no para isso (embora seja um menino terno, claro). Entretanto, de manhã é sempre a Mafalda quem mais parece celebrá-lo: é das maiorzinhas e anuncia a chegada dele chamando-lhe “o Arturito”, que é uma coisa adorável. Depois há evidentes proximidades com o David (passam imenso tempo sentados lado a lado, o mais tímido e o mais pequenino), a Vallentina (que é a mais curiosa) e a Teresa (que é a mais enigmática). Qual deles se adiantará, tornei eu a perguntar-me, ao vê-los todos em palco, ontem, na sua primeira festa de Natal?

Uma pessoa também se define por isso. Entretanto, porém, houve um surto de dentadas na turma, e o Artur, que apanhou duas em cheio na cabeça, deu em andar mais na defensiva, temeroso do convívio. A ver se passa depressa, porque por ora o seu melhor amigo é a Colette, e eu não posso imaginar pior influência.

Uma semana destas tenho de falar sobre esta cadela.