Valter Hugo Mãe

O Folio de José Pinho


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Acaba o Folio de 2023 e não é possível esquecer a alegria de José Pinho, o seu jeito imediatamente amigo. Que não esteja mais aí nem é aceitável nem é completamente verdade. A imagem e a memória tornam impossível pensar no Folio, em Óbidos subitamente lugar de livros, sem sentir sua presença, sua orientação, o tamanho de seu sonho.

O José Pinho, para mim, era um homem que se preocupava sorrindo. Quero dizer, estava sempre atazanado com algum problema, desbravando situações para erguer projectos únicos, fora de qualquer caixa, e era preciso dinheiro e gente a ganhar dinheiro, era preciso correr contra o tempo e convencer pessoas importantes e muito indispostas, mas ele dizia-o sorrindo. Preocupava-se como se essa aflição lhe fosse costumeira, tão habitual quanto um animal de estimação. Os gatos, tão amados, também podem ser bastante indispostos e levam dinheiro e são praticamente impossíveis de convencer. O Pinho afeiçoava-se ao impossível. E sua afeição matava impossíveis.

Víamo-nos poucas vezes, mas ele tinha a capacidade de criar uma festa, uma ternura que se mantinha. Fico sempre grato que as pessoas sejam assim, porque eu sou genuinamente tímido e levo muitos anos a sentir-me liberto diante de alguém. Duvido invariavelmente se as pessoas lembram de mim, se lembram de nos havermos falado com maior proximidade. É verdade que há gente que nos ignora mesmo depois da cama e do pão de queijo pela manhã. Por isso, gosto e admiro quem estabiliza o entusiasmo, o respeito, a alegria de encontrar alguém. O José Pinho era assim. Estávamos, anos depois, apenas no dia seguinte. E todos os dias eram a confiança e a celebração que se fez no primeiro instante.

Acaba o Folio, onde não pude assistir a nada porque a vida não traz só alegrias, e acompanho o que se diz, o que dizem tantos amigos que por lá passaram, e imagino o que terá sido encontrar a mesma festa que o José Pinho sonhou. É importante que a sua festa perdure, porque o seu sonho estava certo. Estava absolutamente certo. Agora, que esperaremos por mais um ano para se voltar a rumar a Óbidos, é que penso em como ele nos falta, para lhe dizermos que valeu muito a pena. Valeu tudo a pena. E há mais livros. Há livros que se editam para coincidir com o festival e nos esperam nas livrarias por toda a parte. São edições que se favorecem pela força do festival, pelo que, em certo sentido, o Folio, como as Correntes d’Escritas, acontece no país inteiro, onde houver livraria, onde houver uma biblioteca, onde puder chegar uma entrega de correio. O Pinho sabia disso. Faláramos da contribuição para o país. Aquilo que faz nascer um livro fertiliza a sociedade. Fertiliza a humanidade.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)