Margarida Rebelo Pinto

O caminho das pedras


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Portugal está a encolher. Nos últimos 50 anos perdemos mais de um milhão de crianças. Somos o segundo país mais envelhecido da Europa. As mulheres em Portugal têm cada vez menos filhos e cada vez mais tarde. Os estrangeiros que fixaram residência em Portugal contribuem para que os números não sejam ainda mais desoladores: cerca de metade das crianças que vivem em Portugal são de origem brasileira. São dados divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística, compilados pela Pordata, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que também revelou, entre outros, que somos o país da Europa com maior proporção de crianças no ensino pré-escolar: quase nove em cada dez crianças.

Nada nestes dados me surpreende. O que me surpreende é como os jovens portugueses ainda têm coragem para sonhar com filhos perante condições de vida cada vez mais precárias a nível profissional, no acesso ao sistema de saúde e na habitação. As crianças estão no pré-escolar, porque se a mãe não trabalhar, não há pão na mesa. Com as taxas de divórcio elevadas, as famílias monoparentais vão ao mesmo tempo na proa e ao leme. As mães portuguesas têm literalmente de se esfalfar para conseguir dar aos filhos teto, comida e educação. É a eterna condição de Luísa, retratada no poema “Calçada de Carriche” de António Gedeão: “Luísa sobe, sobe a calçada, sobe e não pode que vai cansada. (…) Saiu de casa de madrugada, regressa a casa é já noite fechada.”

Ainda assim, não somos o país do Mundo com mais divórcios. O arquipélago das Maldivas, considerado um dos destinos top para a lua de mel, encabeça a lista. Não deixa de ser irónico, mas afinal o destino nada é sem um toque de ironia. A existência está sempre a brindar-nos com factos irónicos, escritores que ficam cegos como Borges ou compositores que ensurdecem como Beethoven. As Maldivas parecem ser um paraíso perfeito para viver um sonho. O problema é que não se pode viver eternamente num sonho, a realidade não deixa. Temos todos trabalhos com prazos ou empregos com horários para cumprir, contas para pagar, pais, filhos ou ambos a nosso cargo, temos todos uma vida real que não nos perdoa fantasias.

A idealização do casamento e da maternidade também contribui para que as coisas não corram da melhor forma. Na minha geração, constituir família fazia parte de um plano de vida com sucesso, e, quando uma mulher se divorciava e não voltava a casar, as amigas casadas comentavam, consternadas, que ela nunca mais voltara a reconstruir a sua vida. O grau de machismo inerente a tal afirmação é abjeto e absurdo, pois o que mais tenho assistido ao longo da vida é ao triunfo de mulheres que conseguiram escapar à teia infernal de relações tóxicas e abusivas. A vida mostrou-me que as que mais sofrem a longo prazo são aquelas que persistem em casamentos de fachada ou com feridas mortais. E também é fácil entender que os filhos de pais divorciados, habituados a viver em duas casas e obrigados a aceitar as mudanças na vida pessoal dos pais, olhem para a instituição do casamento com alguma desconfiança.

A geração das princesas da Disney acabou na Geração X, que cresceu a ouvir a lengalenga do felizes para sempre depois das núpcias. Casar deixou de ser um objetivo, um sonho, uma meta. A meta agora é sobreviver. Vale a pena ler e reler o poema e refletir em que seria diferente se fosse um Luís a fazer o mesmo caminho das pedras.