Jorge Manuel Lopes

Não olhes para trás


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

A primeira encarnação dos Everything But The Girl, o duo britânico formado por Tracey Thorn e Ben Watt, durou entre 1982 e 2000. Foi um percurso plural e bem sucedido, que contemplou canções de suporte acústico com recorte clássico, a atenção vagueando pelo Brasil, standards americanos de meados do século XX e o vento agreste e docemente cinzento de um recanto inglês meio esquecido; pop com requintes orquestrais; e, no último terço da viagem, um felicíssimo enamoramento com ramos da música eletrónica de dança, do house ao drum ‘n’ bass. Uma progressão sustentada pela finura da escrita e pela expressividade límpida e sóbria das interpretações de Thorn e Watt.

Agora, após 22 anos investidos em discos a solo, a que se junta a gestão de uma editora e uma carreira como DJ e produtor (no caso de Ben Watt) e a escrita de livros (no caso de Tracey Thorn), os Everything But The Girl retomam o caminho com “Fuse” (Buzzin’ Fly/Universal). São dez canções que, em simultâneo, retomam a história da dupla no ponto da arquitetura tecnológica em que havia ficado, e transportam a narrativa para um tempo firmemente presente. “Nothing left to lose”, o primeiro single, entre o desafio e a esperança, carrega ecos do UK garage que irrompeu nos anos 1990, com subgraves latejantes de extração mais recente e um novo grão de rouquidão na voz de Thorn. Piano e uma batida que chega tarde iluminam a madrugada da ambiental “Run a red light”. Há um silêncio ponderado, tranquilo, sábio, no núcleo de todas as canções. “When you mess up” e “Interior space” são de uma beleza dilacerada e estática. A propulsão dinâmica de “Caution to the wind” leva o seu tempo a desabrochar, e essa progressão medida encapsula o processo de composição do álbum, em que Thorn e Watt partiram de uma zona de conforto mais introspetiva antes de se aventurarem por temas dançáveis. Um álbum que jamais olha para trás, e esse é um gesto exemplar de quem, pela idade e carreira feita, se podia esperar não mais do que um refinar de gestos e sons seguros, familiares.