Na estação de comboio à espera do autocarro
Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.
Há anos que sonho com a decadência da tirania das redes sociais e com o declínio das aplicações de encontros amorosos. O Tinder democratizou o sexo casual e aumentou o fosso entre homens e mulheres porque é injusto para elas, cruel para eles, e vice-versa. Na maior parte dos casos, as mulheres recorrem a este tipo de aplicações porque estão à procura de uma relação e os homens porque querem sexo. Acreditar que se pode encontrar uma relação séria com base num punhado de informações redutoras e nem sempre verdadeiras, tais como a idade, o nome, a altura, interesses e desportos, é o mesmo que estar na estação de comboio à espera do autocarro. Por outro lado, apenas os homens mais atraentes despertam o interesse das mulheres. Scott Galloway, autor americano de vários best-sellers e professor na NYU (Universidade de Nova Iorque), realizou um estudo que revelou que um homem cuja aparência física não corresponde aos padrões atuais pode passar por 200 imagens de mulheres até conseguir um match. A escassez ou ausência de validação, ainda que parta de pessoas desconhecidas, inflige duros golpes na já frágil autoestima masculina. Comparo estas aplicações de encontros às sombrias ruas do Red Light District em Amesterdão, nas quais mulheres em montras minúsculas oficializam a mais velha profissão do Mundo. A diferença é que estão todos na montra, homens e mulheres, e a tabela de preços não está afixada no vidro. É bizarro, feio, desumano e triste.
A dinâmica da sedução sempre foi diferente para homens e mulheres. Ditam as leis da Natureza que o macho persegue e seduz a fêmea. Contudo, e em bom rigor, são elas que escolhem quem querem ter a seu lado, seja para uma noite ou para uma vida. É a velha máxima que professa que uma mulher dorme com quem quer e um homem dorme com quem pode. Quando as donzelas cresciam vigiadas a pulso firme por pais déspotas, mães protetoras e irmãos vigilantes, as práticas de sedução davam mais trabalho e obrigavam os machos a manobras guiadas pela ousadia e pela imaginação. Cyrano de Bérgerac, pouco dotado de atributos físicos e possuidor excecional do dom da palavra, constitui um exemplo ilustrativo de como funciona o imaginário feminino: por um lado, as mulheres desejam um homem atraente, mas derretem-se com um cavalheiro sensível e inteligente que as surpreenda com tiradas poéticas e rasgos de delicadeza.
Os homens muito bonitos ou muito atraentes nem sempre vêm equipados com inteligência e/ou sensibilidade. O ego manda mais do que o coração. O mesmo acontece com muitas mulheres, que atravessam toda uma existência sem se cultivarem para além das metas estéticas, outrora ditadas pela moda e hoje por influencers nas redes sociais. Os procedimentos estéticos que alinham o desenho do maxilar, aumentam as maçãs do rosto e engrossam lábios contaminaram os cânones de beleza, quem sabe, infelizmente para sempre. Por outro lado, as imagens raramente correspondem à realidade, já que os filtros tomaram conta do cenário.
Prefiro o filtro do bom senso, que não se encontra no Instagram, capaz de selecionar boas cabeças com bons princípios. A beleza de uma cabecinha oca rapidamente se dissipa e não há charme que resista ao mau caráter.
