Ao longo dos tempos, temos vindo a perder a capacidade de nos mantermos atentos e o desafio dos oradores para agarrar audiências cresce. Não há certezas sobre o tempo que deve levar uma apresentação pública, mas há estratégias para tentar manter o discurso atrativo e o nível de concentração do público.
Logo após a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em Lisboa, a bordo do avião que seguia para o Vaticano, o Papa Francisco apelou a que as homilias sejam mais curtas e apelativas. Na JMJ, o Sumo Pontífice não leu muitos dos seus discursos na íntegra e confessou que o fez porque os jovens não conseguem ficar atentos muito tempo, não conseguem acompanhar o discurso por mais de “oito minutos”. Na verdade, a discussão sobre quanto tempo devem ter as apresentações públicas – muito para além do contexto da Igreja – é bem antiga. E continuamos a ter muitas teses e poucas certezas.
“Não há fórmulas matemáticas, depende da audiência, do que se quer comunicar, de um conjunto de fatores”, sublinha Vasco Ribeiro, professor de Comunicação Política da Universidade do Porto, que faz investigação na área da propaganda. Mas recuemos no tempo para tomar o pulso à história. “A maior máquina de propaganda alguma vez criada remonta à I Guerra Mundial. Era o Committee on Public Information, criado pelos Estados Unidos para atrair jovens para se alistarem na guerra e combaterem num continente muito distante”, lembra o docente. Uma máquina que contava com os grandes publicitários, assessores, jornalistas, “era um conselho de sábios”. O caso é para aqui chamado por uma razão. Nessa altura, para propagar a missiva por todos os Estados Unidos, este comité enviava mensagens por telex, que eram recebidas por milhares de voluntários, talentosos oradores, distribuídos pelas várias cidades, e que depois a espalhavam. Como? Faziam discursos de quatro minutos nos restaurantes, nas salas de cinema. “Chamavam-se Four Minute Men, porque o tal comité percebeu que a capacidade de atenção de um cidadão médio era de quatro minutos”, explica o investigador.
Estávamos em 1917, numa época em que não havia uma série de outros estímulos e distrações, nomeadamente o smartphone. “Um século depois, aquilo que sabemos hoje, e existe um oceano de publicações sobre isso, é que temos vindo a perder a capacidade de atenção.” Vasco Ribeiro fala no caso dos jovens, “em que a capacidade de se prenderem a uma mensagem está nos 30 segundos”. Mas as teorias multiplicam-se. Olhemos para o quadro geral. Nos últimos tempos, começou a generalizar-se a ideia de que o nível de concentração das pessoas anda na ordem dos oito minutos – o exemplo usado pelo Papa Francisco -, e há quem acredite que uma apresentação oral não deve ir muito além dos 10, 15 minutos. Só que falar em público é uma ciência que está longe de se cingir ao tempo e nisso parece haver consenso.
Estratégias, a linguagem corporal
“Está provado que quanto mais sintéticos conseguirmos ser, não perdendo a capacidade de dizer tudo aquilo que queremos dizer, melhor. Mas depende muito dos auditórios, das pessoas que temos à frente. E o orador tem de estar atento ao auditório. As plateias, apesar de estarem lá para nos ouvir, vão comunicando connosco, vão franzindo o sobrolho, abanando a cabeça, enterrando o corpo na cadeira, revirando os olhos, mexendo no telemóvel, são posturas corporais”, alerta Ana Andrade, professora de Argumentação e Retórica na Faculdade de Direito do Porto da Universidade Católica e autora do livro “Falar em público”. Quando a plateia dispersa, “o orador tem a obrigação de recaptar a atenção”. “Às vezes, basta fazer um desvio no discurso para contar uma história, que faça as pessoas de repente levantar a cabeça. Os oradores tendem a focar-se muito no discurso, que está bem preparado, e a achar que basta dizê-lo. É um erro monumental.”
A atenção, é certo, também depende muito do interesse da audiência no tema, e da importância que aquilo que as pessoas estão a ouvir vai ter na sua vida. “Por exemplo, uma aula de dúvidas é sempre ouvida com muito mais atenção do que uma aula de matéria normal. Outro exemplo. Dou muita formação a empresas, e apesar de estar a falar para adultos feitos, para muitos deles estar ali é só mais uma obrigação. Por isso, tenho de ser muito criativa, contar histórias, mostrar uma publicidade interessante, uma música”, revela.
Jorge Sequeira, formado em Psicologia, autor do livro “Dar ao Pedal” e palestrante com mais de duas décadas de experiência, habituado a trabalhar com grandes empresas, desde a Louis Vuitton à Pfizer, tende a concordar. “As pessoas gostam de estar envolvidas, de percorrer uma viagem com o orador. Gostam de histórias, mas claro que essas histórias têm de estar ao serviço de uma mensagem.” Como diz Vasco Ribeiro, “pensamos por imagens, e um orador ao falar cria nas pessoas imagens. Quanto mais nítidas forem, mais capacidade há de criar estímulos na audiência”.
Voltemos a Jorge Sequeira. Dá palestras de uma hora e um quarto e garante que mais importante do que o tempo é o conteúdo e a forma. “Há uma frase que pode ilustrar bem isto. O tempo que demora um minuto depende de que lado estamos na porta da casa de banho. Quando estamos à espera parece uma eternidade, quando estamos lá dentro passa num instante. É sempre relativo e, neste caso, depende muito da capacidade do orador. Há pessoas que não conseguimos ouvir durante cinco minutos e outras que ficamos deliciados a ouvir durante horas.” Por isso, tira a questão do tempo de cima da mesa e põe o foco em tudo o resto. A começar no conteúdo, claro. “É preciso ter algo a acrescentar e não encher o discurso de banalidades como o ‘o futuro é imprevisível’.” Mas, sobretudo, na linguagem corporal do orador, que “é 70% da comunicação”. “É importante olhar para as pessoas, não olhar nem para baixo, nem para cima.” Também inclinar o corpo na direção da plateia, “que mostra interesse pelas pessoas, que se está a falar para elas”. É a ideia de exclusividade, de a plateia sentir que o discurso não foi repetido já mil vezes, que o orador está mesmo a falar para cada uma das pessoas a assistir.
Ana Andrade diz o mesmo. A gestualidade é determinante, “a capacidade de falar com a expressão do rosto, com o corpo”. “Durante muito tempo privilegiou-se muito o conteúdo e esqueceu-se a forma. Se o orador for chato, tiver os olhos postos no chão, os ombros descaídos, estiver quase a ler, as pessoas vão desinteressar-se. Já passamos aquela fase em que para sermos sérios temos de ser chatos. Não temos.” Aliás, discursos muito eruditos também não são o caminho. E é preciso adaptar sempre o discurso à audiência, conhecer bem os destinatários. “Posso comunicar a mesma mensagem a uma turma de alunos do 2.º ciclo ou a um grupo de empresários. Mas a terminologia e a forma têm necessariamente de ser diferentes. O objetivo é que a mensagem passe. Caso contrário, está-se a falar para quê?”, questiona.
Neste campo, a interatividade é uma boa forma de ganhar a plateia. “Por exemplo, pergunto ‘quem é que daqui já foi a Madrid?’ e há 20 pessoas que levantam a mão. Claro que isto envolve”, aponta Jorge Sequeira. O sentido de humor também pode ajudar, pois o palestrante defende que “as pessoas gostam sobretudo de se divertir”. A par disto, a projeção de voz, que tem de chegar a todos os cantos da sala, e a entoação. “O comunicador é sempre um bocadinho entertainer, no bom sentido do termo. E não há nada mais desencorajador do que estar a ouvir alguém num tom monocórdico”, assinala Ana Andrade.
Treinar, treinar, treinar
Há uma certeza, falar em público é uma ciência que exige treino. João Leite Ribeiro, professor de Gestão na Universidade do Minho, diz mesmo que “o melhor improviso está escrito e foi treinado muitas vezes”. Aliás, a par da postura empática para com o público e da assertividade na mensagem, o investigador destaca que é sobretudo importante “ter consciência das limitações e fragilidades próprias e treinar o discurso antecipadamente, mas mantendo a mente aberta e disponível seja quanto à forma, conteúdo, processo e resultados”.
O próprio palestrante Jorge Sequeira reconhece que chega a “demorar 15 dias para preparar um bom improviso. É para parecer, mas não é, é preciso estar muito bem preparado”. E não, não basta saber as técnicas, um bom orador só se faz com a prática. “O uso desenvolve, o não uso atrofia. Quando se treina muito uma coisa, ficamos mais capazes. É sempre uma questão de treino.” Mas não há pessoas com um dom natural? “Não acredito nisso. A única comunicação genética com que nascemos é chorar. Mesmo que uma pessoa seja naturalmente mais empática, falar em público é algo que se treina. É como cozinhar. A minha mãe não nasceu com o dom da culinária, a questão é que desde miúda que andava à volta dos tachos.”
Ana Andrade subscreve esta ideia de que “ninguém nasce a saber falar em público, é algo que se vai construindo”, mas admite que “há pessoas que naturalmente têm mais jeito, seja porque são mais confiantes, seja porque gostam de plateias, seja porque tiveram oportunidade de o treinar ao longo da vida em diversos contextos”. Mas não parece haver dúvidas de que se aprende a falar em público, falando em público. “No meu livro digo logo que se o leitor espera no final tornar-se num bom orador, então mais vale deixá-lo na prateleira. Ninguém se torna bom orador por ler um livro. É preciso treinar, estar atento ao que funciona, perceber como fazem os bons oradores, o que gostamos de ver nos outros. Não é imitar ou copiar, é aprender, fazer por tentativa e erro. Quanto mais se faz, mais natural se torna”, sustenta Ana Andrade.