José João Abrantes: o professor de humanidade

José João Abrantes é presidente do Tribunal Constitucional

Homem de esquerda, católico progressista, académico com obra reconhecida no Direito do Trabalho. Alentejano retinto, sempre que pode refugia-se nas origens. Cordato, evita o conflito, mas não o teme.

“É um jurista brilhante, pessoa afável, cordial, profundamente humanista”, capaz de fazer coincidir, na admiração e na amizade, figuras ideologicamente tão distantes quanto o advogado Garcia Pereira e o catedrático Carlos Blanco de Morais. Em tempos de polarização e trincheiras, o novo presidente do Tribunal Constitucional “pensa pela sua cabeça, recusa etiquetas, sabe ouvir e respeita a identidade das pessoas em toda a sua complexidade”. Para ele, dizem os amigos, contam os princípios, não as filiações partidárias.

É um homem de esquerda. À esquerda do PS nos primeiros anos que se seguiram à revolução, era estudante da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Hoje, na esquerda do PS. Então como agora, sem cartão de militante nem agenda programática.

É um católico progressista, “de valores cristãos consistentes”, subscritor das preocupações sociais e evangélicas de Francisco, mas além do Papa em matérias como a eutanásia. Às notícias que o deram como “conservador”, os amigos respondem: “Não é, nunca foi, nunca será”. É um homem de emoções, que se refletem em tudo o que faz. “No trabalho dele está aquilo em que acredita. A tese de doutoramento (Universidade de Bremen) – ‘Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais’ – é uma obra de referência.”

A amizade de Garcia Pereira tem 50 anos. Remonta à Universidade de Lisboa, onde ambos foram assistentes da disciplina de Direito de Trabalho, “É um dos mais insignes jurilaboralistas do país. Tem a capacidade de conhecer, utilizar e densificar os processos constitucionais de natureza laboral. Um dos grandes vultos do Direito do trabalho, nacional e internacionalmente”, diz o advogado, lembrando que o académico, poliglota, tem trabalhos publicados em diversos países.

É sobretudo um professor. “Bem-disposto, agradável ao trato, afável, fácil de abordar, por colegas e alunos”, diz Blanco de Morais. Conheceram-se em 1977. “Estávamos – e estamos -, em áreas políticas muito diferentes, mas estabelecemos uma relação de amizade, reforçada no tempo em que fomos assistentes de Marcelo Rebelo de Sousa, em Direito Constitucional.” O também professor catedrático recorda um jovem assistente “muito próximo dos alunos, sempre disponível para jantares organizados por eles”, relação potenciada pela personalidade “alegre, extrovertida, muito emocional”. Que mantém como catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

É um alentejano “retinto”, nascido em Portalegre, mas com o coração em Alter do Chão, terra de antepassados, comerciantes e agricultores, onde cresceu. Por isso, sempre que pode, refugia-se no vagar das planícies, nas amizades de infância. “É um amigo presente, voluntarioso, muito cuidador e preocupado.”

Filho único de um juiz, aluno de quadro de honra durante todo o liceu – inclinou-se para a matemática na pretensão de repudiar a influência paterna. Percebeu depressa que a escolha o levaria à docência e ele não queria ser professor toda a vida. Apenas por isso, seguiu Direito. Ironia: “Toda a vida foi professor e com tanto gosto”, dizem colegas de escola. Recordam um rapaz divertido, mas atento, marcado pelas desigualdades sociais e pela pobreza que massacrava o Alentejo dos anos 1960: “Meninos descalços, mal alimentados, sem condições mínimas. Basta dizer que na escola primária, de uma turma de 40 meninos, apenas dois seguiram em frente”. Na tese de doutoramento, evoca os ensinamentos paternos: “A bondade, a generosidade e o sentido de justiça, o valor da coragem, da dignidade e da honra”.

Chegou ao Tribunal Constitucional em julho de 2020, para um mandato de nove anos. Em abril de 2023, próximo de completar 68 anos, foi eleito pelos pares para o dirigir. As divergências entre os 13 conselheiros ditaram um longo impasse, 17 horas de discussão e uma noite em claro. A história da eleição, a mais difícil de sempre, está por contar. Educado e cordato, traído por vezes pela emotividade, o presidente eleito procura fugir dos conflitos. Mas não os teme.

José João Abrantes tem uma filha e três netas. É um benfiquista fervoroso. Há 58 anos em Lisboa, mantém o sotaque alentejano.

José João Gordo Nunes Abrantes
Cargo:
presidente do Tribunal Constitucional
Nascimento: 18/06/1955 (67 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (São Lourenço, Portalegre)