João Costa: o caminheiro

João Costa é ministro da Educação

Para o ministro da Educação, “não há vida sem muito teatro, muita praia, muitos livros, muito chocolate e muitos amigos. Estar com amigos a conversar e a rir pela noite dentro com um copo de vinho a acompanhar”.

“Se me quiserem encontrar procurem um tipo gordo, coxo, de óculos e carapinha”, diz, roubando o traço irónico a Bocage, poeta conterrâneo. O retrato psicológico, sempre mais complexo, é feito a sombreado: “Somos um emaranhado de histórias, vivências e passados que nos tornam numa misturada entre o que somos, o que gostávamos de ser e o que não somos”. Diria que gosta “de pôr os outros em primeiro lugar”. Que é muito difícil irritar-se seja com quem for – no escutismo, aprendeu que não há ninguém que não faça falta.

Defeitos? “Mais que muitos.” Teimoso, guloso, impaciente. “Perguntem a quem me atura no dia a dia.” Um antigo assessor responde: “Trato afável, muito autocrítico, com um apurado sentido de humor que aplica antes de mais a ele próprio, muito exigente e com grande capacidade de trabalho”.

O dia começa invariavelmente com cafeína. “Dois cafés logo de manhã para saber quem sou.” Um homem de esquerda, diz. “Descubro-me de esquerda muito cedo. Interessa-me o debate e a transformação através da dialética.” Depois de uma passagem como tesoureiro de uma Junta de Freguesia de Setúbal, como independente eleito nas listas da CDU, encontrou no PS “o espaço ideológico, sobretudo por todas as reformas feitas no sistema educativo”.

No início do novo ano escolar, o ministro da Educação está debaixo de fogo. “O João é um trabalhador incansável, entusiasmado com a possibilidade de mudar e por isso fica desiludido com a contestação”, diz um camarada de partido. “Fez crer aos professores que era um eles, o que lhe deu um enorme capital enquanto foi secretário de Estado. Como ministro, obrigado a mexer nos interesses corporativos, chocou com a realidade”, acrescenta o mesmo socialista.

Mário Nogueira concorda: “Tinha de facto um capital político que desbaratou”. O sindicalista releva “a abordagem cordial, a simpatia, as reuniões que não têm faltado”. Porém, acrescenta o líder da Fenprof, “é alguém capaz de levantar a voz, de perder a compostura, de demonstrar perturbação quando confrontado com protestos”.

A jornalista e amiga Sofia Barciela descreve “uma pessoa do terreno, sempre de escola em escola, muito combativo, bom ouvinte”. Um ministro “exigente, porém, sem arrogância”. Marcado por uma religiosidade profunda, muitas vezes em beligerância com as posições de uma igreja que excluiu, guarda da vivência como escuteiro a melhor recordação. No Corpo Nacional de Escutas, sob a alçada da ICAR, foi de lobito a caminheiro. Mais tarde, chegou a chefe regional de Setúbal.

Paulo Santos, diretor adjunto do BPI, lembra esses anos. “Fomos dirigentes ao mesmo tempo. Olhávamos para ele como um guru. Pela alegria, pela intuição pedagógica, pelo entusiasmo, pelo talento multitasking.” Pela apresentação do Arroz à Escuta, argamassa em que cabe tudo.

Nascido a 4 de novembro de 1972, em Lisboa – “setubalense desde o terceiro dia” – foi um adolescente “normal”. O aluno que tinha muito boas notas, e que não se calava. “Um pouco hiperativo, tentando dividir-me entre o teatro amador, o associativismo, o escutismo, a locução numa rádio pirata e muita vida noturna.” Com banda sonora, que perdura até hoje: Tom Waits, Aldous Harding, Queen, Jorge Palma ou Bethânia. “Mas também os ABBA”, conta o sobrinho Tomás Costa: “Não sei se o meu tio se orgulhará muito disso, mas que gosta de Dancing Queen, gosta”. Na crise das propinas, que fez tremer o cavaquismo, gritou “não pagamos”.

Licenciado e doutorado em Linguística, o fascínio pela linguagem começou cedo, no interesse pelas línguas estrangeiras. Professor catedrático declara-se docente “por motivação e gosto”. “Não matem a cotovia”, de Harper Lee, fez dele leitor para sempre. Capaz de devorar “500 páginas em dois dias”, segundo o sobrinho. Para o ministro da Educação, “não há vida sem muito teatro, muita praia, muitos livros, muito chocolate e muitos amigos. Estar com amigos a conversar e a rir pela noite dentro com um copo de vinho a acompanhar”. É reconhecido cozinheiro. Tomás Costa aconselha “a lasanha e a baba de camelo”.

Tem medo de dentistas. Não gosta de café com açúcar, de trabalhos meramente rotineiros, da falta de empatia. “Não gosto de populistas, “sejam de esquerda ou de direita.”

Diariamente, não passa sem ler o jornal em papel. Sem falar com a mãe e com os dois filhos. Sem ler literatura durante pelo menos uma hora. E sem os mimos de Ofélia, nos dias em que a gata se acha pachorrenta.

João Miguel Marques da Costa
Cargo:
ministro da Educação
Nascimento: 04/11/1972 (50 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Lisboa)