Margarida Rebelo Pinto

Infelizes para sempre


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Foi por obra do acaso que descobri mais um escritor que me ocupou o espírito durante duas viagens de longo curso com uma escala no meio, Domenico Starnore, napolitano premiado, através de “Laços”. Acredito que existem três tipos de escritores; os maus, os bons e aqueles que são tão bons que despertam em mim a vontade de escrever. É assim com Yourcenar, Agustina, Marías, Pedro Juan Gutierrez, Didion, Atwood ou Juan Gabriel Vasquéz. Startone entrou para a lista, lembrando um bocadinho Ferrante, quanto mais não seja pela geografia, mas também pelo dramatismo exagerado que corre fervente nas regiões a sul da Europa.

O romance é um relato à lupa da vida de um casal que viveu infeliz para sempre. Um homem de meia-idade casado com uma mulher neurótica e implicativa apaixona-se por uma jovem bonita, serena, sensual e inteligente e separa-se. Contudo, amarrado de forma vitalícia e involuntária (pelo menos é o que o personagem nos quer fazer crer) à realidade anterior, acaba por voltar à base, levado pelo remorso da infelicidade que causou à família e esmagado pelo fosso criado pelos dois filhos. E a vida prossegue, triste e silenciosa, como se o sabor amargo da derrota com o tempo se tornasse doce, ou pelo menos agridoce. Uma existência sem sal nem alegria, quase sem vida, porque viver derrotado é uma espécie de morte, que o digam aqueles que perderam pessoas e coisas importantes, ou pior ainda, quando se deixaram derrotar por si mesmos, ou pelos fantasmas e traumas que não conseguiram vencer. O ambiente entre marido e mulher, que já era tenso e árido antes da separação, repete-se depois da chamada reconciliação, instalando-se como modus operandi definitivo.

Uma das consequências mais comuns de ambientes em que reina o desamor é o desejo de vingança por parte daqueles que neles cresceram. Filhos de pais que se detestavam, tendem a criar relações tóxicas com traços semelhantes. Estamos, enquanto seres humanos e animais de hábitos, treinados para procurar aquilo que já vivemos, replicando padrões, independentemente de serem benéficos ou prejudiciais para a nossa saúde física e mental. E existe quase sempre, de forma latente ou explícita, uma vontade de fazer um ajuste de contas com os pais, com o parceiro ou com o Mundo. Sem querer desvendar o final da narrativa, que me desencantou, quer pela forma como está escrita, quer pela solução que o escritor escolheu para fechar a história e que não vou aqui desvendar para não estragar o prazer da leitura a quem quiser mergulhar neste livro, a vingança é o catalisador da ação.

A tristeza poder tornar as pessoas egoístas, a infelicidade pode tornar as pessoas más. Atirei-me ao livro com o entusiasmo de uma nova paixão, terminei-o a custo, com o desencanto de um amor desavindo e confuso, como por vezes acontece na vida real. Fiquei a detestar aquele homem por ser tão fraco, aquela mulher por ser tão manipuladora, aqueles filhos por se revelarem tão mesquinhos. O livro repousa ainda em cima da minha mesa de trabalho, não sei onde o arrumar dentro da minha cabeça. No fundo, ainda mexe comigo; perturbou-me, sobretudo pela sua verosimilhança com tantas histórias que fui recolhendo ao longo da minha vida de escritora, eterna curiosa da condição humana.

Salve a todos aqueles que foram mais fortes e conseguiram livrar-se de casamentos mortos e de relações doentias. Não é para todos, apenas para os mais fortes e corajosos.