É cada vez mais difícil engravidar. Porquê?

A infertilidade deixou de ser um diagnóstico associado a uma causa isolada e passou a ser uma conjugação de fatores

A infertilidade está a crescer e já atinge um em cada seis adultos, em todo o Mundo. O adiamento da gravidez é a principal explicação no caso das mulheres, mas não a única. Até porque os casos que têm causa masculina também têm vindo a aumentar. E os tratamentos de procriação medicamente assistida são uma realidade cada vez mais presente.

Joana (nome fictício) começou a tentar engravidar aos 34 anos. Essa idade está-lhe cravada na alma, nem precisa de ir vasculhar nos ficheiros da memória. “Sou técnica de radiologia, sabia que por causa das radiações uma gravidez me ia obrigar a ficar muito tempo sem trabalhar, queria ser mãe, mas fui deixando andar. E era aquela coisa de pensar que aos 34 anos ainda era cedo.” Sem dar por isso, engravidou logo no primeiro mês, mas foi uma gravidez ectópica de que só se apercebeu quando se sentiu mal no emprego. “A minha sorte é que trabalho num hospital, entrei em choque sético, não morri por pouco. Perdi uma trompa na sequência dessa gravidez.” Foi em janeiro de 2020, só voltaria a tentar engravidar novamente em junho, recuperada do susto. Mas o caminho encheu-se de espinhos desde então.

Um ano de tentativas frustradas depois, ela e o marido entraram numa consulta de fertilidade, atravessaram a porta escura de uma dor que não acaba. Exames e mais exames, do espermograma à ecografia ginecológica. Pelo caminho, Joana ainda voltou a engravidar de forma natural, mas abortou. Os exames trouxeram conclusões: ela tem baixa reserva ovárica, ele tem baixa qualidade espermática. “Somos um casal infértil”, diz sem artifícios. Hoje, Joana, 38 anos, e o marido, 39, correm contra o tempo. No Serviço Nacional de Saúde (SNS), o acesso aos tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA) só é possível até aos 40 anos da mulher e há um limite de três tratamentos. O tempo de espera ronda um ano, mas se houver necessidade de recorrer a gâmetas doados sobe para três anos e meio.

Joana fez o primeiro tratamento em setembro de 2022, depois de atravessar a ansiedade da lista de espera. Sem sucesso. Está agora a começar um novo, agarrada à esperança que não acaba. “Claro que a temos. Mas só temos três alternativas e de caminho já faço 40 anos. Se soubesse o que sei hoje, tinha começado mais cedo…” Disfarça com a capa da frieza um coração dilacerado, as tantas mágoas que se vão acumulando. O caminho é duro a todos os níveis. “A nível emocional, de gerir a culpa de ter adiado. A nível físico, porque com os tratamentos tudo dói. A nível laboral, porque tenho que continuar a trabalhar e faço esforços físicos. A nível monetário, em média a medicação necessária para cada tratamento fica por 700 euros, já com a comparticipação.”

A idade e o estilo de vida

A luta de Joana e do marido é a de muitos casais atualmente. E há um alerta que se impõe: um casal é considerado infértil ao fim de um ano de tentativas para engravidar espontaneamente. Mas, se a mulher tiver mais de 35 anos, ao fim de meio ano já pode haver referenciação para consulta de fertilidade pelo médico de família ou pelo ginecologista. Vamos a números. A infertilidade está a crescer e, segundo o mais recente relatório da Organização Mundial da Saúde, já atinge um a cada seis adultos (17,5% da população mundial). Há cada vez mais dificuldades para engravidar. Mas porquê? São duas as grandes causas, de acordo com Pedro Xavier, ginecologista, obstetra e presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução.

“Por um lado, e no caso concreto da mulher, é o fator idade. Por muito que se tente sensibilizar para esta questão, a procura de uma gravidez é cada vez mais tardia.” Com a idade, a reserva ovárica diminui, a qualidade dos óvulos também e a probabilidade de engravidar cai. O pico da fertilidade da mulher acontece por volta dos 23, 24 anos, e mesmo aí a probabilidade de engravidar em cada mês é de 25%. Aos 40, cai para 5% – na verdade, começa a cair drasticamente logo aos 35 anos. “Um casal até pode ter todos os exames bem, mas a probabilidade continua a ser de 5% por mês. A idade é a principal causa para o aumento da incidência da infertilidade a nível global.” E a tendência de adiar a gravidez já está muito enraizada na cultura europeia.

Mas há outro grande fator em jogo: o estilo de vida, “que afeta a fertilidade feminina e a masculina”. Sim, porque a infertilidade masculina também tem disparado. “O tabaco, a poluição ambiental, a alimentação, o sedentarismo. Tudo afeta. Os homens têm tido uma quebra visível na sua capacidade reprodutiva nas últimas décadas, a qualidade dos espermatozoides tem vindo a diminuir, e admite-se que tenha a ver com a associação de todas estas variáveis”, explica Pedro Xavier. Se há vinte anos, os casos de infertilidade com causa masculina rondavam os 25%, hoje “são metade do total”.

A infertilidade deixou de ser um diagnóstico associado a uma causa isolada e passou a ser uma conjugação de fatores. “E como as causas são múltiplas, isso torna ainda mais desafiante os tratamentos.” Quando o prognóstico é bom – a mulher é relativamente jovem e não há baixa qualidade espermática no homem – o caminho pode passar apenas “por medicação para a mulher ovular, é o que se chama de indução de ovulação”. Só que esses casos já vão sendo raros e a solução passa cada vez mais por técnicas de PMA, nomeadamente a fertilização in vitro (FIV).

Márcia Barreiro, diretora do Centro de PMA e do Banco Público de Gâmetas no Centro Materno Infantil do Norte (CMIN), aponta para um dado curioso: o número médio de primeiras consultas de fertilidade só no CMIN é de 40 por mês. O que é revelador. A ginecologista obstetra subscreve a tese de que o adiamento da gravidez é o principal fator a pesar. “Por motivos profissionais, económicos, hoje para se ter um filho equaciona-se se há condições mínimas e vai-se adiando. E isso não só aumenta os casos de infertilidade, como prejudica a taxa de sucesso dos tratamentos.” As técnicas têm vindo a evoluir, é certo, mas o número de nascimentos por cada tratamento de PMA continua a ser baixo: 30% a 40%. “Há a ideia de que aos 30 anos ainda é muito cedo para engravidar, muito graças a figuras públicas que aparecem aos 50 anos grávidas sem referir que recorreram a tratamentos. É uma ideia falsa. A mensagem mais importante é não adiar”, alerta.

A gravidez da esperança

Leonor, 40 anos, e Miguel, 49, também nomes fictícios, começaram a tentar engravidar em 2013. Dez anos de uma batalha que já quase tinham dado por perdida, num luto antecipado, e eis que a surpresa acabou de chegar. Leonor está grávida. Mas comecemos pelo princípio. “Eu tinha 30 anos quando começámos a tentar. Estivemos dois anos a tentar uma gravidez espontânea, com alguma medicação oral aconselhada pela ginecologista no entretanto”, conta ela. Só em 2015 é que viriam a ser encaminhados para uma consulta de fertilidade – e ainda tentaram nesse ano, durante o tempo de espera no SNS, um tratamento no privado, sem sucesso. Nunca conseguiram identificar a causa exata da infertilidade, chegaram até a ir a Espanha fazer exames.

Em 2016, começaram a longa jornada de tratamentos no CMIN, uma travessia do deserto, com contratempos à mistura (Leonor tem uma doença autoimune, colite ulcerosa, e foi-lhe também diagnosticada síndrome dos ovários poliquísticos). Ainda tentaram três inseminações intrauterinas antes de avançarem para a FIV. Aí, conseguiram sempre muitos embriões viáveis, uma luz de esperança que se apagava de cada vez que o teste dava negativo. Ao fim de uma longa luta inglória, de muitas transferências de embriões, de tantos processos dolorosos e caros, fizeram uma pausa. Para recuperar fôlego, respirar fundo, aliviar da carga de medicação. Estávamos em 2021. “É muito cansativo. Há ansiedade, depressão, tristeza. Quisemos parar porque estava a ser muito duro para nós”, diz Miguel.

Retomaram este ano, a última tentativa, por descargo de consciência. Nem aos familiares contaram para lhes poupar mais um desgosto. Transferiram dois embriões. “Foi a 30 de março, já tínhamos praticamente fechado o processo na nossa cabeça, não era saudável continuarmos com a vida em suspenso a perseguir um sonho que não se realizava, tínhamos chegado a uma fase de paz, sabíamos que tínhamos feito de tudo. A probabilidade de conseguirmos era muito baixa, queríamos pôr um ponto final”, comenta Leonor. Era véspera do dia de Páscoa quando o primeiro teste de gravidez positivo chegou, num misto de paralisação e de felicidade, de choque e de histeria. A ecografia trouxe a novidade: dois corações a bater, são gémeos. “Foi um baque, não estávamos mesmo a contar. Mas claro que estamos felizes. A luta valeu a pena”, conclui Miguel.