Como reorganizar a vida para ganhar horas de lazer

O fim das férias pode ser o momento ideal para conseguir o tão desejado equilíbrio. Mas desengane-se se acha que isto só lá vai com recurso a aplicações de gestão de tempo e produtividade.

As férias lamentavelmente a terminar, o trabalho a voltar em força, os dias entupidos de reuniões, e emails, e telefonemas, e correrias para ir buscar os miúdos e fazer as lides domésticas, para lhes dar banho, para fazer o jantar, o tempo que parece cada vez mais curto e aquela ilusão de arranjar um bocadinho para o lazer outra vez a esboroar-se na insanidade dos dias. Mesmo que já tenhamos jurado mil vezes que “desta é que é”, que vamos organizar-nos para ter mais tempo livre, que não podemos viver só para o trabalho e as rotinas familiares. Revê-se? Não podemos dizer que o que aí vem seja uma boa notícia, mas, se lhe serve de conforto, é um facto, definitivamente não está sozinho nesta demanda inglória por mais tempo de qualidade. Isso mesmo confirma Artur Queirós, especialista em psicologia do trabalho e das organizações e fundador da Alento, empresa de recursos humanos e consultoria. “Chegam até nós muitas pessoas que se deparam com este tipo de dificuldades”, admite.

As causas são múltiplas, variarão sempre de pessoa para pessoa, mas há pelo menos três características comuns que de alguma forma se revelam estruturantes. “Por um lado, é do senso comum que há uma falta de competências de gestão e de planeamento transversal, mesmo nas instituições públicas. Sempre fomos muito mais conhecidos pela nossa capacidade de desenrasque do que propriamente pela nossa capacidade de planear. Acresce que nós não associamos o planeamento ao lazer. Porque dá trabalho. Mas na verdade é um trabalho que depois nos vai permitir aproveitar mais.” A outra prende-se com a cultura laboral que ainda subjaz a muitas organizações. “A ideia do presentismo.” “Muitas vezes as pessoas não estão a produzir, não estão com intencionalidade, mas têm de lá estar”, salienta, frisando que esta tendência é mais comum em empresas onde prevalece uma cultura mais autocrática.

A juntar a estes dois fatores há ainda um desleixo frequente em relação ao autocuidado. “As pessoas tendem a gastar mais tempo com os outros do que consigo, nomeadamente em contexto familiar. Mas a verdade é que se não estiverem bem também não terão boas condições para fazer bem aos outros. E isto carece de ser lembrado.” Mais: o simples facto de não fazer nada é importante para recarregar baterias. O problema é que ainda tendemos, enquanto sociedade, a olhar para esta máxima com índices elevadíssimos de suspeição. “É importante passar esta mensagem de que as pessoas têm o direito de não fazer nada e que não é por isso que estão a ser preguiçosas. Ainda há muito receio da opinião pública em relação a esta questão, a ideia de que se estou a parar para ir dar um passeio é porque não trabalho o suficiente. E a verdade é que isso é extremamente importante.”

O foco, a clareza, a rotina

Mas foquemo-nos então no ponto nevrálgico deste artigo: o que podemos fazer para aumentar o nosso tempo de lazer? Inês Diogo, coach de carreira habituada a trabalhar questões como o equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional e a produtividade, começa precisamente por aí: pelo foco. “Muitas vezes, não conseguimos focar-nos em nada em específico e acabamos por perder imenso tempo acessório sem dar conta. O multitasking é um mito porque fazemos várias coisas ao mesmo tempo, mas não nos focamos a 100% em nada, e acabamos por chegar ao fim do dia muito mais esgotados.” Este é um ponto ainda mais relevante num tempo em que estamos rodeados de tecnologias, em que as redes sociais proliferam, em que a tentação de scrolls intermináveis e perfeitamente inúteis está sempre presente.

Ressalvando que gosta pouco de dicas generalistas, uma vez que o trabalho que faz assenta no princípio de que cada caso é único, descortina, ainda assim, um outro problema que nos compromete os dias e nos deixa à míngua do tão necessário tempo para lazer: uma certa tendência crónica para o menosprezarmos. “As pessoas tendem a achar que se forem ao ginásio ou fazer outro hobby qualquer vão perder tempo quando na verdade isso até nos ajuda a ganhar energia. Se tivermos um bloqueio de criatividade, por exemplo, se formos dar um passeio ou fazer algo de que gostamos isso possivelmente é ajudar.” Daí que seja fundamental garantir tempo para o lazer. Eventualmente, bloqueando determinados períodos na agenda para esse fim, tal como bloqueamos para reuniões e outros compromissos obrigatórios.

Rodrigo Barreto, que se apresenta como mentor de produtividade e gestão de tempo e conta com dezenas de milhares de seguidores no LinkedIn, onde desenvolve as várias nuances relacionadas com este tema, divide a questão em três pontos principais: por um lado, o autoconhecimento e o equilíbrio de vida, por outro, o planeamento e a produtividade, por fim, a gestão de tempo e a rotina. Em relação ao primeiro, chama a atenção para uma pecha frequente, que pode condicionar tudo o resto. “Muita gente tem dificuldade em ter clareza em relação a isso, em saber o que é importante e o que não é. Se entendermos quais são as esferas mais importantes da nossa vida, fica mais fácil definir um plano de vida. E essa clareza vai-nos dar outro poder de tomada de decisão no dia a dia, para saber dizer não ao que não é prioritário.” O oposto disso é… um pequeno caos. “Se eu não tiver essa clareza, vou ficar mais vulnerável. O que aparecer na minha mesa eu vou fazer porque não sei o que quero. O urgente rapidamente passa à frente do importante. E isto serve tanto para a esfera pessoal como para a profissional.”

Em relação ao planeamento e à produtividade, o especialista brasileiro, sediado nos EUA, deixa um alerta: “Muita gente limita-se a procurar ferramentas ou aplicações que ajudem nisso. Mas o que importa não é a ferramenta, é a metodologia. Não adianta termos um Ferrari se não o sabemos conduzir”. Para isso, propõe a “metodologia one page” – no fundo, um planeamento semanal que contempla cinco tarefas por dia e que cabe numa única página. E depois, sim, podemos pensar em usar as aplicações, entende. Deixa até alguns exemplos concretos de ferramentas que utiliza no dia a dia: o Notion, o Asana, o Trello. Quanto ao terceiro tópico elencado, gestão de tempo e rotina, enfatiza a importância de criar estratégias para “alongar o tempo” (pensando na semana “no seu todo” em vez de pensar só dias) e de encurtar os deadlines. “A Lei de Parkinson diz que uma tarefa se expande pelo tempo que temos disponível para ela. Ou seja, se temos a semana inteira, possivelmente segunda, terça e quarta vamos estar muito descansados e sexta vamos andar a toque de caixa. “A alternativa é encurtar o prazo, fazer um compromisso consigo mesmo e ser fiel à sua palavra.” Uma última nota para a rotina, que pode desempenhar aqui um papel decisivo. “A ideia não é ter horários engessados, mas vai ajudar a antecipar algumas decisões, o que nos ajuda a economizar energia para as decisões mais importantes.”

Menos é mais

Sofia Pereira, especialista em gestão consciente do tempo e autora do livro “Como ter tempo para tudo”, junta à discussão outras nuances. Desde logo, a ideia de que temos de reagir menos e agir mais, de que é fundamental deixarmos de levar a vida “em piloto automático”. Depois, a absoluta necessidade de refletirmos sobre a nossa própria identidade. “Temos de parar e pensar: Quem é que eu sou? Que papéis sociais é que desempenho? Quais é que são realmente importantes para mim? Que satisfação é que me dão? Quase sempre o que acabamos por perceber é que nos embrenhamos cada vez mais nos papéis relacionados com a família e o trabalho e a esfera pessoal acaba empurrada para último plano, apesar de ser em teoria aquela que alavanca a nossa satisfação com a vida”, elenca a presidente da associação Slow Movement Portugal.

Para que tal não aconteça, realça, é importante definir ritmos e limites. “Ter consciência de qual é o nosso ritmo individual e definir fronteiras claras para que dediquemos tempo ao que é importante para nós”, concretiza. Por fim, destaca ainda a questão da flexibilidade e da autocompaixão. “Temos de ter noção que não conseguimos controlar tudo nem todos os fatores e de ser capazes de lidar com os nossos desafios, sem perder o foco. Por outro lado, é importante que sejamos gentis connosco próprios, que nos validemos. Todos estes são princípios fundamentais para fazer gestão consciente do nosso tempo, para o gerir em função do que é importante para nós.”

No fundo, numa versão extremamente minimal, o caminho para ter mais tempo de lazer pode ser resumido assim. “Tenho de pensar no que é que isso significa para mim, que tempo é que isso me vai exigir, como é que vou encaixá-lo na minha agenda, transformar isso num objetivo”, reforça Artur Queirós. E anime-se, porque apesar daquelas lacunas crónicas de que falávamos no início – a nossa deficiente capacidade de planeamento, o presentismo, a falta de autocuidado – também há boas notícias, aponta o especialista. “É claramente percetível uma preocupação crescente com estas questões, seja por parte das pessoas, seja por parte das organizações. Aliás, recentemente, deparei-me até com uma pessoa que se queixava que a empresa em que trabalhava estava tão preocupada em proporcionador atividades de lazer aos trabalhadores que já não tinha tempo para ir a tanta atividade.” Caso para dizer: nem oito nem oitenta.