Margarida Rebelo Pinto

Bolos de esperança


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Durante a pandemia comprei uma batedeira numa loja de bairro que se recusava a vender ao postigo. Chamei-lhe a Menina Clarinha, em parte porque era a sua função bater as claras até ficarem em castelo, em parte em homenagem a Clara de Sousa, que, além de ser a pivô preferida dos portugueses, é uma cozinheira de mão cheia. Nunca fui dada a doces, embora em criança gostasse de mousse de chocolate e de bolo de bolacha, grande clássico da década de 1970 que ainda se consegue saborear em alguns restaurantes tradicionais, daqueles que servem iscas com todos e carapauzinhos fritos com arroz de tomate.

A solidão decorrente da pandemia gerou uma ansiedade que não se desvaneceu quando o Mundo se libertou do fantasma do vírus. Vejo por mim, a repetir o ritual de confecionar um bolo sempre que a ansiedade atravessa a minha existência. E foi assim que me aventurei por mares nunca dantes navegados: bolo de laranja, bolo de cenoura, bolo de iogurte. Três meses depois de ter terminado a garantia (uma inevitabilidade que ocorre com os pequenos e grandes eletrodomésticos), a Menina Clarinha avariou, mas não desanimei. Agora uso outros recursos e lá me vou entretendo com receitas rápidas que o deus do mundo moderno chamado algoritmo me vai sugerindo no Instagram. O meu último crush é um bolo de banana, chocolate em pó e aveia que demora menos de três minutos a fazer e só precisa de ir ao forno um quarto de hora. Rápido e barato, ou seja, perfeito para os tempos que correm, já que as famílias portuguesas são obrigadas a contar os cêntimos e a paciência para a vida que vai escasseando a cada dia que passa, quer a nível nacional, fruto do caos político e governativo, quer a nível internacional, pelo que assistimos nas notícias e que nos faz pensar que o Mundo é mesmo um lugar perigoso, complexo e assustador. Quando vemos ao mesmo tempo pessoas vestidas de ovelhas balindo e saltitando curvadas dentro de uma cerca sem que ninguém as tenha obrigado e nos são mostradas imagens que revelam sinistros requintes de malvadez dos relatos do massacre perpetrado pelo Hamas em Israel, é impossível não pensar que o Mundo está horrível.

O que podemos fazer para não perder a esperança? E como podemos continuar a acreditar que as coisas podem melhorar sem cairmos no ridículo de entrar para o reino da fantasia no qual existem varinhas de condão que transformam abóboras em carruagens e tapetes voadores que nos levam para longe das pedras onde somos obrigados a caminhar? Talvez um dos segredos seja fazermos todos os dias o melhor possível dentro das nossas possibilidades. O conceito faz parte dos quatro pilares de conduta que aprendi num dos livros que mudou a minha vida. Chama-se “Os quatro acordos”, de Don Miguel Ruíz. Aqui deixo os restantes três, para reflexão: usar a palavra impecável, não fazer assunções e não levar nada pessoalmente. Se conseguirmos pôr em prática tais princípios na nossa vida quotidiana, quer em relação ao próximo quer em relação a nós mesmos, podemos ter uma existência mais fácil e aprazível. Imagine o que é não denegrir nem criticar gratuitamente o próximo, fazer perguntas em vez de tentar adivinhar o que os outros pensam, entender que as agressões exteriores de que somos alvo falam muito mais dos agressores do que nós e tentar dar o seu máximo todos os dias, mesmo que seja a fazer bolo de banana com aveia a chocolate.

Um Mundo melhor está ao nosso alcance, ainda que seja apenas na nossa casa com a nossa família.