Valter Hugo Mãe

Aniversário


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

O Eduardinho completou dezasseis anos, a primeira maioridade. Para nós, os mais velhos, as crianças não têm maneira de crescer. Nem a Bruna, com dois filhos, me convence plenamente de ser adulta. Fico casmurro com essas ideias de as nossas crianças não poderem mais ser crianças. Com o Eduardinho é tudo ainda mais complexo, porque eu aprendi muito com a sua infância calma. Aprendi sobre ele e sobre mim.

Quando o Eduardinho tinha quase três anos de idade, começou a ficar em minha casa às segundas-feiras pela tarde. Eu, como tio mais novo numa família com avós e tias, nunca fui muito necessário para cuidados. Por outro lado, com viagens e saídas constantes, também não seria fácil esperarem de mim uma presença continuada e garantida. Contudo, subitamente, por um longo tempo, assim foi. O Eduardinho vinha passar a tarde comigo e eu começava por pensar que me haveria de dar uma crise de pânico porque não saberia o que fazer se ele chorasse ou fizesse alguma birra.

Por todo o tempo, o pequeno menino se entreteve com os seus brinquedos, a fazer desenhos e a ver animações na televisão. Simplesmente, não fazia barulho, não se irritava com nada, respondia ao que lhe pedia com mais educação do que os adultos e agradecia sempre. Eu, admito, espantei para o Eduardinho. Era de tal modo pacífico que podia ter conversas com ele perguntando-lhe coisas difíceis às quais respondia com inteligência e criatividade.

Guardo dezenas dos seus desenhos. Impressionava-me como, com menos de três anos de idade, usava os marcadores franceses com delicadeza, sem os estragar. Eu dissera-lhe que se lhes arrancasse os bicos eles não pintariam, seriam como marcadores tristes. E ele ficou logo sensível a isso. Não queria ser culpado de tristeza alguma. Nunca estragou nada. Nada. E eu podia continuar a escrever os meus livros que ele, ali mesmo ao lado, não interferia. Esperava. Até que eu parasse tudo e ele perguntasse, na sua felicidade sempre calma: “Achas que já podemos brincar juntos?”.

Por causa do Eduardinho escrevi “O filho de mil homens”. Foi por causa dele que entendi que os filhos podiam ser viáveis, sem medo, ou sem um medo desmesurado que me pudesse bloquear. Com ele aprendi a fortuna tão maior dos filhos quando comparados a qualquer outra coisa. Não há nada de mais importante, de mais próximo do divino, de mais cumpridor da vida. Nem Bach nem Vivaldi, nem Rilke ou Proust. Nada se compara à altura imensa de vermos uma criança a fazer sua vida.

Agora, o Eduardinho chegou aos dezasseis anos e fez-se um rapaz cheio de ideias próprias, sem paciência para gente aborrecida, com pouca tolerância a perguntas. É bastante parecido comigo. Tem um espírito meio à espera. Como eu tinha na sua idade. Sabia bem que só mais tarde haveria de tudo fazer sentido. E fez. Mais tarde, tudo fará sentido, outra vez.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)