Anemias: causas, tratamentos e o que dizem sobre nós

A anemia é um problema de saúde pública que afeta cerca de 25% da população mundial (Foto: AdobeStock)

A diminuição de glóbulos vermelhos provoca complicações no corpo. Menos oxigénio no sangue, cansaço permanente. As causas são distintas, os tratamentos diversos. Esta é uma doença com várias velocidades.

A dificuldade de concentração, a sensação de fadiga que não passa, por vezes, palpitações fora de sítio, às vezes, uma dor de cabeça. Arranja-se justificação sem perceber que algo não está a funcionar como deveria. Os glóbulos vermelhos, que transportam oxigénio e dão cor ao sangue, não estão a cumprir a sua função. O organismo quebra e os sintomas manifestam-se. É uma anemia. A definição médica é clara: condição clínica que resulta da diminuição de glóbulos vermelhos e o sangue fica com menos capacidade de transportar oxigénio para os tecidos do corpo. A concentração de hemoglobina é inferior ao normal. É preciso fazer exames, é preciso tratar.

O que é que acontece no organismo? O que é necessário perceber? “Esta diminuição dos glóbulos vermelhos pode dever-se a um dos três principais mecanismos: perda de sangue, diminuição da produção de glóbulos vermelhos ou aumento da destruição dos glóbulos vermelhos”, responde Daniel Bertoluci Brito, especialista em medicina geral e familiar da Clínica Espregueira, no Porto. “Dentro de cada um destes mecanismos, podemos ter causas distintas, desde défice nutricionais, a infeções, fármacos ou até doenças genéticas”, refere.

Segundo Ana Isabel Pedroso, especialista em medicina interna da Clínica Lusíadas de Almada, há problemas genéticos e patologias crónicas que também têm responsabilidade na redução desses glóbulos. Como, por exemplo, a doença renal crónica em que, lembra, “há diminuição de produção de eritropoietina, que é um dos gatilhos de produção de glóbulos vermelhos”. E convém saber que o cancro e a infeção por VIH podem provocar uma anemia crónica.

Na verdade, não há apenas uma anemia, há várias, consoante as suas causas. “A causa mais frequente, é a anemia por défice de ferro, ou seja, causada pela diminuição da ingestão ou absorção de ferro na nossa dieta ou por uma eliminação maior de ferro pelo nosso organismo”, assinala Daniel Bertoluci Brito. Esta anemia representa a maioria, ou seja, 90% dos casos.

Olhos abertos e máxima atenção a qualquer sinal. Fadiga física e mental, sensação de cansaço, irritação, tonturas especialmente ao levantar, batimentos cardíacos irregulares, mãos e pés frios, irritação e perda de concentração, falta de ar, dor de cabeça, hematomas com mais facilidade, cortes nos lábios. “Alguns sintomas típicos da anemia podem ser facilmente confundidos com os de outras patologias, nomeadamente depressão”, alerta Andreia Monteiro, especialista em imunohemoterapia e medicina preventiva da Clínica Pilares da Saúde, na Amadora.

O que, na realidade, o corpo sente depende de alguns fatores, ou seja, da velocidade da instalação da anemia, da sua gravidade, da condição do próprio doente. “Se for de instalação gradual e lenta, os sintomas são muitas vezes inespecíficos e podem passar despercebidos numa fase inicial, como cansaço, tonturas, dores de cabeça, falta de ar, irritabilidade ou dificuldade de concentração. Caso seja de instalação rápida, geralmente os sintomas são mais abruptos e graves, como confusão, aumento da frequência cardíaca ou perda de consciência”, avança Daniel Bertoluci Brito. Aquela palidez, associada a sinal de anemia, deteta-se apenas a partir de um determinado valor, não está presente em todos os doentes.

Problemas gastrointestinais estão também na origem das anemias. Andreia Monteiro fala de anemia e tudo se interliga. Dietas inadequadas, infeções agudas ou crónicas como a malária, inflamações intestinais e doenças autoimunes e hereditárias, condições ginecológicas e obstétricas como períodos menstruais longos e hemorragia pós-parto, são fatores que explicam o aparecimento de anemias. “A anemia é um indicador tanto de má nutrição como de má saúde”, garante a especialista.

A ciência determina que a concentração ideal de hemoglobina necessária para atender às necessidades fisiológicas varia de acordo com a idade, sexo, hábitos de tabagismo, estado de gravidez das mulheres. No caso da anemia por défices nutricionais, a prevenção é possível através, realça Daniel Bertoluci Brito, “de uma alimentação equilibrada e diversificada, com um consumo adequado de ferro (presente na carne, nas leguminosas, nos ovos, entre outros) e outros nutrientes necessários para a produção de glóbulos vermelhos (como o ácido fólico e vitamina B12)”.

Um hemograma, exame de sangue simples, e há diagnóstico. “Avalia-se os níveis de hemoglobina e a contagem de glóbulos vermelhos. Ao constatar-se anemia, pedem-se mais exames para se chegar à causa e estes podem ser mais ao sangue, ou então mais invasivos como endoscopia digestiva alta e colonoscopia”, detalha a médica Ana Isabel Pedroso. Daniel Bertoluci Brito acrescenta outros detalhes. “As pessoas com anemia, ou suspeita de anemia, devem ser sempre observadas e avaliadas por um médico, pois a história clínica e o exame físico podem fornecer informações adicionais, podendo indicar causas específicas da anemia e orientar para um correto diagnóstico da causa e respetivo tratamento adequado.”

Prevenção, exames, tratamento

Trata-se de um problema de saúde pública que afeta cerca de 25% da população mundial. Portugal destaca-se da média global pelas piores razões. No nosso país, o índice de prevalência é superior à média dos países desenvolvidos, de 9 para 20%. Ou seja, um em cada cinco portugueses adultos sofre de anemia. “A grande maioria (84%) desconhece ter anemia e apenas 2% da população recebe alguma forma de tratamento para esta condições”, revela Andreia Monteiro. “A problemática nacional acentua-se pela falta de conhecimento sobre a doença e pelo diagnóstico errado, aspetos que conduzem à manutenção dos elevados níveis de prevalência da doença”, sublinha a especialista em imunohemoterapia e medicina preventiva.

A Organização Mundial da Saúde estima que 40% das crianças entre os seis e os 59 meses de idade, 37% das mulheres grávidas e 30% das mulheres entre os 15 e os 49 anos, em todo o Mundo, são anémicas. A doença pode, na verdade, afetar pessoas de todas as idades e ambos os sexos. No entanto, há umas mais vulneráveis do que outras. “A anemia afeta particularmente crianças pequenas, raparigas adolescentes, mulheres menstruadas e mulheres grávidas e puérperas”, adianta Andreia Monteiro. Os idosos têm também uma maior propensão devido a uma menor absorção de nutrientes com o aumento da idade. Uma anemia numa criança é mais agressiva do que num adulto? “A gravidade depende sempre do estado geral do doente, se for uma anemia por perdas, importa saber a quantidade de sangue perdido e em quanto tempo, podendo ser uma situação ameaçadora de vida, por exemplo, no caso de um trauma grave”, diz Ana Isabel Pedroso.

O tratamento e a prevenção dependem das causas. O objeto é repor os valores normais dos glóbulos vermelhos e da hemoglobina. “Por exemplo, se a causa for um défice nutricional (como o défice de ferro), o tratamento pode passar pela suplementação (com ferro, por exemplo) com esse nutriente durante um período. No entanto, se a causa for um fármaco específico, deve ser ponderada sua suspensão”, afirma o médico Daniel Bertoluci Brito. Em casos graves, poderá ser necessária uma transfusão sanguínea.

A hereditariedade é uma questão, não a mais comum, mas é uma condicionante. “Algumas das causas de anemia têm uma base genética e transmissão hereditária, como a anemia falciforme. Por isso, pessoas com familiares com anemia, principalmente se for de causa genética, devem também ser avaliadas por um médico, principalmente se tiverem sintomas sugestivos de anemia”, avisa o médico Daniel Bertoluci Brito. “A hereditariedade é sempre um diagnóstico a pensar principalmente quando surge em crianças”, adiciona Ana Isabel Pedroso.

Um diagnóstico correto é fundamental. Os resultados analíticos do doente são importantes para definir o tratamento que, segundo Andreia Monteiro, pode implicar mudanças na dieta, tomar suplementos específicos, prevenir e tratar a malária, gerir doenças crónicas como a obesidade e problemas do trato gastrointestinal, prevenir e tratar o sangramento menstrual intenso. “É crucial unir todos os esforços na prevenção e tratamento das anemias de forma a diminuir a prevalência, aumentando assim a qualidade de vida das populações”, enfatiza a médica.

O impacto é significativo na qualidade de vida, na disponibilidade física e mental, na vida familiar e no rendimento laboral. “O efeito económico mundial da anemia é tão elevado que estimativas apontam que, em pelo menos 10 países desenvolvidos, a queda de produtividade (física e cognitiva), decorrente da deficiência em ferro, tem um impacto negativo de 4,05% do PIB”, observa Andreia Monteiro.

As repercussões são, portanto, de várias dimensões, tanto no dia a dia de quem sofre de anemia, como na vida de um país. Tratar o quanto antes é o melhor remédio.