A depressão sazonal existe e piora com o Natal

“A depressão sazonal é desvalorizada e confundida com preguiça, tristeza ou pessimismo”, reconhece Ana Rita Monteiro, psicóloga

A sabedoria de conectar o cair da folha ao “cair” do espírito remonta aos avós e bisavós. A ciência confirma-o: há estados depressivos associados a determinados meses do ano, em especial aos mais escuros e chuvosos. Aliado à pressão das festividades de dezembro, pode ser ainda mais difícil lidar com estes sintomas. Mas há soluções que ajudam.

“Sempre que está a chover e vem o mau tempo sinto-me assim, em baixo. Mas é assim com toda a gente, não é?” Para a médica psiquiatra Maria Moreno esta é uma pergunta recorrente em consultório, especialmente quando o frio se instala. Quer seja esta a questão que espoleta a primeira consulta, quer parta de alguém que a profissional já acompanha há vários meses ou anos, quando chega a pergunta, a resposta é um delicado não. Não, não é normal. E, ainda que assim seja com muita gente (já lá vamos a números), não pode ser desvalorizado, começa por frisar a psiquiatra. Há que estar atento e procurar ajuda o quanto antes, porque o acumular destes sintomas, o acomodar e a pressão emocional da última semana do ano, com o Natal e o Ano Novo, pode levar a que os sintomas se agravem.

Primeiro, damos nome ao problema. Falamos de depressão sazonal. “É uma forma específica de depressão que ocorre em determinadas estações do ano, habitualmente no outono e inverno, quando há menos exposição à luz solar.” Maria Moreno explica que a tristeza é um dos sentimentos mais presentes com este quadro, mas há outros sintomas a ter em conta (e a não desvalorizar). “Porque sempre foram assim e muitos não conhecem outra maneira de ser, com queixas semelhantes por parte da irmã, mãe e avó”, há uma tendência grande para “naturalizar” este estado depressivo sazonal. Maria Moreno realça ouvir por diversas vezes que “este jeito de ficar mais em baixo com a chegada do frio e da chuva, sem vontade de sair da cama, de trabalhar, de ver pessoas” é coisa de família. Nada para se preocupar. Mas é razão de preocupação, especialmente com o avançar do outono, a chegada do inverno e a pressão do final do ano.

E “embora possa ser mais prevalente em certas épocas do ano, é importante reconhecê-la como uma condição médica real que requer sempre intervenção”, indica, sublinhando que não é o caráter “passageiro” que torna esta doença mental menos grave ou passível de ser ignorada.

O pioneiro na depressão sazonal

Foi ainda na década de 1980 que Norman E. Rosenthal, psiquiatra, investigou e descreveu a Perturbação Afetiva Sazonal pela primeira vez, afirma Ana Rita Monteiro. A psicóloga da Clínica Espregueira, no Porto, refere que foi a partir daí que se começou a perceber (e a aceitar cientificamente) que “a alteração do clima faz toda a diferença no estado de espírito das pessoas”. “A depressão sazonal consiste numa desordem comportamental relacionada principalmente com a mudança das estações do ano, surgindo normalmente um agravamento nos dias de frio e chuva, alturas essas caracterizadas por proporcionar pouca energia, menos vontade de sair de casa, de trabalhar, de interagir, entre outros.”

O clima está tão conectado com o nosso estado físico e emocional que até a nível geográfico é possível notar diferenças. “Embora pareça absurdo, a verdade é que as estações do ano podem ser um indicador significativo da nossa saúde mental, sendo que nas regiões mais a norte, onde os dias são mais sombrios, a probabilidade de se ter esta doença aumenta”, assinala Ana Rita Monteiro. A acrescentar ao clima típico de cada região, ser mulher também é fator para que se seja mais suscetível à depressão sazonal, bem como ter histórico familiar de depressão. Estes são os indivíduos que mais devem estar alerta, mas os sintomas devem ser conhecidos e reconhecidos por todos, quer seja para pedir ajuda para si mesmo ou para ajudar um amigo, familiar ou colega. O que importa é perceber que estados de espíritos abatidos, ainda que coincidentes com esta época do ano, não são normais, vinca a psicóloga Ana Rita Monteiro. Lembra ainda que este problema é “múltiplas vezes desvalorizado e confundido com preguiça, tristeza ou pessimismo, sendo um problema de saúde mental sério, que provoca alterações profundas na forma como se vê e interpreta a realidade, levando ao sofrimento”.

Ana Rita Monteiro salienta que os mais recentes estudos apontam para um aumento da Perturbação Afetiva Sazonal, que ganhou mais força, especialmente, “em virtude da pandemia que o Mundo atravessou”. Atualmente, “estima-se que afete perto de 10% da população europeia, com especial incidência em indivíduos seniores”, outro grupo de risco para o qual se deve redobrar atenções.

E o agravamento do já preocupante quadro de depressão sazonal, que se pode sentir durante as festividades, começa de forma mais acentuada, exatamente, nos mais velhos. Essencialmente devido à solidão. As memórias de convívios passados, com entes queridos que já morreram ou com outros que estão emigrados ou com vidas mais distantes, levam a que se agrave o sentimento de isolamento e de pouca atividade.

Piora com a pressão festiva

Para o resto da população, “habitualmente estes sintomas surgem com a chegada do outono e prolongam-se pelas festas adentro, num contínuo agravamento caso não se tome ações”, adianta Maria Moreno. A psiquiatra assinala as expectativas sociais, as pressões familiares e a ênfase nas celebrações como intensificadores dos “sentimentos de isolamento e tristeza que já existam”. “É crucial estar atento (para si e para os outros) a estes desafios adicionais nestas datas e, principalmente, procurar ajuda sempre que necessário.”

Mas, afinal, porque é que os dias escuros e chuvosos nos podem levar a um estado depressivo? “Os cientistas acreditam que a depressão sazonal está relacionada com a exposição solar e com o efeito direto da luz na produção de serotonina e melatonina no cérebro”, detalha a psicóloga Ana Rita Monteiro. “Em algumas pessoas, a diminuição da luz solar no outono e inverno provoca um desequilíbrio nos níveis desses neurotransmissores e automaticamente irá haver uma quebra na produção da serotonina, considerada a hormona da felicidade, e responsável pela regulação do humor, apetite e sono.” Além da serotonina, continua a especialista, “também se sabe que a ausência de luz interfere com a produção da melatonina, hormona responsável pelo ritmo circadiano, associado ao sono, que, quando produzida em excesso, provoca maior nível de fadiga e falta de energia”. O que justifica os sintomas atribuídos a uma depressão sazonal.

Antes de pensar em soluções, os especialistas delineiam como essencial a procura de ajuda profissional. Jorge Mota Pereira, psiquiatra, acredita que a acessibilidade a informação é essencial para que uma pessoa tome a decisão de procurar ajuda, por isso, criou o site “Vencer a Depressão” (www.venceradepressao.com) no qual disponibiliza um questionário de cerca de 20 perguntas com o propósito de servir como “rastreio prévio da depressão”. “A pessoa responde às questões de fácil compreensão, segundo o que mais se aproxima do seu estado de espírito. E, caso as respostas realcem um padrão preocupante, é sugerido que a pessoa visite um profissional da área da saúde mental o mais rapidamente possível.”

Gestos simples

Ana Rita Monteiro recorda que algumas alterações no dia a dia podem ajudar a diminuir ou gerir os sintomas depressivos: sair de casa, passear e fazer caminhadas ao ar livre; abrir as cortinas e janelas para permitir que entre o máximo de luz natural; acordar mais cedo, para que possa usufruir mais tempo da luz natural; no trabalho, se possível, sentar junto a janelas; ter uma alimentação cuidada; fazer exercício várias vezes por semana, sobretudo ao ar livre; tentar estar com amigos e família, tendo uma vida social ativa. Estas são algumas das dicas que a psicóloga aconselha para que, mesmo que não estejam identificados todos os sintomas referidos, se previna que estes possam acontecer.

Na categoria de “soluções naturais”, ou seja, que não requerem intervenção medicamentosa, o psiquiatra Jorge Mota Pereira refere ainda o uso de lâmpadas de terapia de luz natural. “Já as recomendei em alguns casos de depressão sazonal no meu consultório e, ainda que possam não resolver o problema por completo, são uma ajuda.” Estes aparelhos consistem numa lâmpada que imita a luz natural, compensa a falta de luz do sol, e diminuindo os sintomas associados a essa ausência. Jorge Mota indica que “meia hora ao início do dia é o suficiente para, em alguns casos, sentir melhorias”. Há ainda marcas tecnológicas que apresentam no mercado lâmpadas de luz natural que emitam o nascer do sol, partindo de um vermelho, passando para o laranja e finalmente imitando a luz solar.

Apesar destas recomendações, Jorge Mota Pereira sublinha que há casos em que apenas a medicação pode ajudar, não devendo ser “um bicho de sete cabeças”. “Quando não é possível resolver de forma natural e quando já se trata de um caso recorrente, receita-se medicação profilática, para que a pessoa não esteja sempre, todos os anos, a recair e a ver o seu dia a dia destroçado.”