Socorro! Odeio os amigos do meu filho adolescente

Para a psicóloga Judite Pinheiro, "na maioria das vezes, tentar afastar o filho ou filha dos amigos que tem é a maneira mais segura de garantir que o adolescente reforça os laços com os amigos".

Quando os colegas do filho, que cresceu e começa a sair do ninho, não correspondem às expectativas, é natural os pais ficarem inseguros e apreensivos em relação ao futuro. Mas tentar afastar, controlar, fazer críticas destrutivas ou proibições excessivas não é o caminho.

Rita (nome fictício) sabe exatamente qual foi o ponto de viragem, numa memória que ainda lhe custa visitar toldada pela culpa. “O meu filho até ao 6.º ano foi um menino impecável. Entretanto, azar o meu, cismei que a escola onde ele estava ficava ao pé de um bairro e decidi mudá-lo de escola.” Foi aí que, numa mistura explosiva com a adolescência, o grupo de amigos mudava e Pedro também. “Foi introduzido numa turma de repetentes, um miúdo com notas de 4 e 5 perdeu-se, achava tudo o que os amigos faziam fascinante. E eram só disparates, fumavam, consumiam drogas leves, saíam à noite, metiam-se em pancadaria.” Pedro chumbou logo nesse ano e foi o início de uma luta dos pais, constantemente chamados à escola, para o desviarem das “más companhias”. “Chegaram a dizer-me que ele não tinha futuro, que era um terrorista”, conta Rita.

A mãe partilhava com ele as preocupações, longas conversas que quase sempre batiam na trave da idade típica do armário. “Tentava explicar-lhe o porquê de achar que os amigos eram más companhias. E, para que ele ficasse mais por casa, permitia que ele trouxesse os amigos de que eu não gostava. Foi uma fase horrível, era uma dor insuportável, porque queria o meu filho bem, como é óbvio.” Na angústia de estar a perder o controlo, Rita chegava a rondar os sítios que o filho frequentava, a esperar que ele entrasse dentro dos portões da escola para evitar que faltasse às aulas e chegou até a vê-lo sair de ambulância da escola, “porque tinha estado a fumar e estava a sentir-se mal”. Pedro, que sempre jogou futebol, ainda fazia de tudo para não ser convocado para os jogos para poder sair na noite anterior com os amigos.

No Secundário, já mudou de escola, só conseguiu entrar no ensino técnico-profissional, “não o aceitaram em Desporto”. Mas só quando foi jogar para Chaves, longe de casa, onde fez o 12.º ano à noite, é que se afastou definitivamente dos amigos, para uma mãe que viria a respirar de alívio. “Esses amigos começaram a desaparecer naturalmente da vida dele. Já não tem relação com eles. Acho que tentar guiá-lo para o caminho certo foi a solução que encontrei.”

Expectativas dos pais na adolescência

Segundo Judite Pinheiro, psicóloga que trabalha em contexto escolar, “esta é uma queixa frequente dos adolescentes”, que lamentam serem controlados a este nível e se queixam “que o pai ou a mãe não os deixam sair com quem querem, que criticam os seus amigos”. E é verdade, diz, que, “por vezes, um pai ou uma mãe, ou ambos, não gostam dos amigos dos filhos, sobretudo se não corresponderem às suas expectativas de adolescente ideal”. E o pensamento de que são “más companhias” é tão ou mais forte “quanto mais os ditos amigos se distanciam, em termos de valores, atitudes e comportamentos, do contexto psicossocial da família ou daquilo que pai e mãe esperam para os próprios filhos”.

A adolescência é “um período da vida marcado por um movimento intensificado de autonomia pessoal e social, de surgimento de novos relacionamentos, de (re)posicionamento perante os outros e o Mundo”. E neste processo, frequentemente, o adolescente distancia-se daquilo que era enquanto criança, “passa a ter opinião própria, comporta-se de forma diferente, o que cria nos pais sentimentos de insegurança, uma apreensão e receio sobre o futuro”.

A tese é subscrita pela também psicóloga Rute Agulhas, para quem “os adolescentes, de forma geral, desidealizam os pais e a família e idealizam o grupo de pares”. Neste contexto, “muitos jovens adotam comportamentos semelhantes aos dos seus pares, por mimetização e necessidade de integração”. Que podem envolver situações tão diversas como um menor investimento na escola, passar a querer sair à noite, beber álcool ou pintar o cabelo e mudar a forma de vestir. “Não têm que ser necessariamente comportamentos desviantes”, aponta Rute Agulhas. Aliás, de acordo com Judite Pinheiro, por vezes as companhias nem são más, o que é sentido como mau pelos pais é o movimento de afastamento, a perda de controlo sobre o adolescente, o sentimento de que não conta tudo o que se passa.

Más companhias e uma luta inglória

“Odiar é um termo um bocado forte, mas o meu filho começou a dar-se com companhias cada vez menos recomendáveis ali por volta dos 17, 18 anos.” Paulo (nome fictício) “perdeu” o filho para um caminho que ainda teme sem retorno e tem poucas dúvidas: “Foram, sobretudo, as companhias que determinaram este percurso dele, ele tem uma personalidade extremamente influenciável”. O pai percebeu cedo que o filho se dava, na escola, “com indivíduos com comportamentos desviantes”. “Alguns colegas de turma deram-lhe a experimentar haxixe pela primeira vez, a partir daí foi uma bola de neve crescente.” Dos colegas da escola para os amigos que encontrou numa claque de futebol e depois para um grupo “que frequentava concertos de música punk e alternativa”, o círculo vicioso agigantou-se para nunca mais ver fim, numa luta inglória de pais desesperados que de tudo tentaram. “Tentámos, muitas vezes, falar com ele. Mas a reação era sempre a mesma: eu sei tudo e vocês não sabem nada.”

Alguns dos amigos Paulo ainda conhecia, mas acabou a perder o rasto a círculos que estenderam as teias a cada vez mais contextos. Tentou aproximar-se de alguns, “aqueles com mais cabeça”, tentou “chamá-lo à razão” e, tantas vezes, o confronto era grande. Até procurou ajuda psiquiátrica. “Gastei milhares de euros em psicólogos e psiquiatras. As coisas tinham melhorias. Mas parece que de cada vez que se afastava de uns amigos, ia conhecendo outros piores. Um dos amigos dele que mais detesto esteve com ele nos piores momentos da vida dele, um deles resultou num acidente a que só escapou com vida por milagre.”

Hoje, o filho tem 26 anos, a relação com os pais está longe de estar reconstruída. Ainda há caminho a fazer. A pandemia ajudou a afastá-lo dos amigos, “limpou-se completamente das drogas, foram dois anos de alívio”. Voltou a aproximar-se da família, a ter outros interesses, até escreveu um livro de poesia. São altos e baixos, na certeza, para Paulo, de que a reta final do Ensino Secundário foi determinante. “Depois, na faculdade, também encontrou amigos de que eu não gostava. Costumo dizer que se tivesse ido para o grupo de jovens da igreja, certamente ia juntar-se com o pior que lá estivesse. Ele tem atração pelo caminho mais fácil.”

Paulo sabe que não fosse ele e a mulher, o filho “estaria irremediavelmente condenado”. “Mas por muito que façamos, que acompanhemos – e eu acompanhei-o muito, fui sempre o representante dos pais da turma -, há uma altura em que nos sai do controlo. Na adolescência, os amigos sabem sempre mais do que os pais. E que ninguém pense que tem a receita.”

Estratégias: negociar limites e regras

Para a psicóloga Judite Pinheiro, “na maioria das vezes, tentar afastar o filho ou filha dos amigos que tem é a maneira mais segura de garantir que o adolescente reforça os laços com os amigos”. A função dos adultos, defende, é supervisionar, com base no diálogo, e não controlar, por exemplo, as mensagens e interações dos filhos nas redes sociais. “Hoje em dia, há muito pais e mães a fazê-lo, e é a melhor forma de ‘perder’ um filho. Por um lado, é um desrespeito inadmissível da sua intimidade, da sua privacidade, e por outro, pode dar origem a adolescentes manipuladores, que não são genuínos nas suas interações.”

A melhor atitude parental, considera, é “permitir a progressiva autonomia do adolescente” e “criar momentos de interação com o filho e respetivos amigos, para conhecer os seus interesses, motivações”. A psicóloga advoga mesmo que as famílias devem permitir o convívio dos filhos com os amigos “dentro do espaço da própria família, esse à-vontade cria uma ligação muito positiva com os pais”. Mas há que estabelecer limites, que, nesta fase, “devem ser mais discutidos e negociados do que impostos”. Até porque a função dos pais não é “serem amigos dos filhos, como tantas vezes se ouve, mas ser pai e mãe, adultos que cuidam, protegem, educam, que estão sempre lá quando eles se desorientam”. Um equilíbrio que, sabe bem, nem sempre é fácil.

Rute Agulhas indica mais estratégias: “Flexibilização das regras e limites, a par da maior abertura do sistema familiar ao exterior”. Ou seja, é importante que os pais “sejam flexíveis e aceitem que o filho cresceu, tem outros interesses e quer descobrir o Mundo”. Neste sentido, as regras e limites devem ser renegociados ao longo do tempo. As ferramentas-chave são a comunicação, a capacidade de escuta e a negociação, “que implica disponibilidade de ambas as partes para ceder e encontrar soluções de compromisso”.

Mais do que tentar afastar o adolescente dos amigos, sugere Rute Agulhas, “os pais devem tentar conversar com o filho e expor as suas preocupações, partilhando o que pensam e sentem, sem críticas destrutivas – do género ‘os teus amigos são uns delinquentes’ -, rigidez ou proibições excessivas”. É, no fundo, tentar ajudar o filho a pensar por si.