Primavera, o inferno dos alérgicos aos pólenes

Raquel Oliveira tem de fazer medicação SOS na época da polinização (Foto: Nuno Brites/Global Imagens)

Da rinite à conjuntivite ou asma, os sintomas de quem sofre de alergias nesta época podem ser vários e até roubar qualidade de vida. Mas há formas de controlar a doença. Além da medicação, as vacinas são uma arma poderosa.

Raquel Oliveira não consegue precisar a idade, teria aí uns seis anos, sabe que era “muito pequena” quando foi parar ao hospital com uma crise de asma num mês primaveril. Foi aí que os pais despertaram para a hipótese de alergias, que haveria de se confirmar. Uma imunoalergologista ajudou, testes e mais testes para perceber que Raquel era alérgica aos pólenes, “dos pinheiros”. Também o é ao pelo dos animais, especificamente de cães e gatos, mas não sente tanto isso.

Era na primavera que o inferno se repetia, num loop de aflição, ainda miúda, com a rinite, a conjuntivite e a asma a baterem-lhe à porta. “Olhos muito inchados e vermelhos, muita comichão no nariz, nos ouvidos”, descreve. Entrou no mundo da medicação para controlar os sintomas – gotas para os olhos, anti-histamínicos, sprays nasais com corticoides, bomba de asma – até chegar a altura, ali já no final da adolescência, em que decidiu recorrer a vacinas antialérgicas. Todos os meses, durante cinco anos. “Fui sentindo logo diferenças, ajudaram-me bastante com a asma e deixei de ficar com os olhos tão vermelhos e inchados, um alívio.” Agora, aos 24 anos, tomou as rédeas aos sintomas mais chatos, mas nem assim se viu livre de uma alergia a que já se acostumou. O tempo começa a aquecer, a chuva a ir embora e nem precisa de espreitar o boletim polínico para saber o que aí vem: nariz congestionado, comichão na garganta, medicação SOS.

“Claro que isto não é confortável, nem para mim, nem para as pessoas que estão à minha volta, estou sempre a fazer barulhos para tentar coçar a garganta.” Com o tempo, foi ganhando calo e estratégias. No carro, as janelas passam a andar fechadas e os óculos de sol entram em cena logo em março. “Tento ter mais cuidado nesta altura. E a chuva acaba por ser a minha melhor amiga, porque não há tanto pólen quando chove, o que ajuda muito.”

As chamadas alergias de primavera não são mais do que alergias aos pólenes, de ervas, de arbustos, de árvores. Em Portugal, a alergia mais frequente é ao pólen das gramíneas, logo a seguir vêm as parietárias e depois a oliveira. Por ser nesta época que acontece a polinização das plantas e árvores é que os alérgicos desenvolvem reações, que se podem manifestar de várias formas. “Nariz tapado, espirros, comichão no nariz, corrimento nasal, no caso da rinite. Comichão nos olhos e olhos vermelhos no caso da conjuntivite. Ou tosse, pieira, dificuldade respiratória quando é asma”, explica Libério Ribeiro, pediatra e alergologista, que avisa que também há doentes de dermatite atópica que, nesta altura, podem sentir um agravamento.

Medicação para controlar, vacinas para “curar”

Certo é que tendemos a desvalorizar, e muito, os sintomas. “Aqueles doentes que acham que estão sempre constipados, com sintomas nasais, não estão constipados, têm rinite. E muitos nem sabem que a têm. No caso da alergia exclusiva aos pólenes, como é mais limitado no tempo, talvez levante mais questões ao doente. Mas quando há também alergia aos ácaros, claro está que essas pessoas assumem que é uma constipação”, refere o também presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia Pediátrica. Num caso e noutro, as doenças alérgicas devem ser tratadas, não só por causa dos sintomas, mas para aumentar a qualidade de vida. “Se focarmos nas crianças, isto afeta imenso o aproveitamento escolar, estão sempre a fungar, com comichão nos olhos, dormem mal à noite com dificuldades respiratórias e depois não têm a mesma atenção.” E a bola de neve estende-se aos pais, quando acabam a faltar ao trabalho para ir com os filhos ao hospital.

Libério Ribeiro defende que “quando temos a doença, podemos tomar medidas para não ter os sintomas ou para os regredir”. Começa no tratamento medicamentoso, dos anti-histamínicos aos corticoides, “que como são anti-inflamatórios, e estas são doenças inflamatórias crónicas, controlam os sintomas”. E acaba na imunoterapia, que trata a causa da doença, tem um efeito curativo e preventivo, não só reduz sintomas como evita que a doença evolua. Trocado por miúdos, são vacinas antialérgicas.

E essa é, segundo Emília Faria, secretária-geral da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica, a melhor maneira de controlar a doença. “São vacinas muito eficazes. Quando provamos que o doente é realmente alérgico, fazemos um estudo, vemos os pólenes a que é alérgico e as vacinas são feitas para o doente. Podem ser gotas diárias ou vacinas injetáveis mensais, durante três a cinco anos. Isto muda o curso da doença alérgica”, sublinha a imunoalergologista.

Testes cutâneos: a prova dos nove

E fazer a prova dos nove às alergias não é assim tão difícil. As doenças alérgicas detetam-se, em primeiro lugar, pelos sintomas. “Da rinite à asma, é sempre uma manifestação que não melhora com o tempo. Se as pessoas têm crises quando mexem em pó, no caso dos ácaros, ou na primavera quando há muito vento na rua, no caso dos pólenes, isso ajuda a perceber.” Também há testes de laboratório, através de análises ao sangue, mas são os testes cutâneos de alergia os mais certeiros. “Em dez minutos diz-nos. Pomos várias gotas de um alergénio na pele e percebemos se desenvolve alguma reação local, vermelhidão, inchaço. Quanto maior a reação, maior a alergia.”

E é tão mais importante fazer um estudo da alergia quanto mais sintomas temos. Se as queixas alteram substancialmente a qualidade de vida, mesmo que sejam só concentradas nestes três meses, faz sentido. “As doenças alérgicas têm tendência a agravar até à idade adulta e depois mantêm-se mais ou menos estáveis. Mas são persistentes. Uma vez alérgico, alérgico toda a vida”, esclarece Emília Faria. Nos últimos anos, com as alterações climáticas, a agressividade dos pólenes e a poluição têm trazido desafios acrescidos. “No ano passado, por exemplo, o período polínico foi mais curto, mas mais acentuado, houve concentrações brutais de pólenes. Alguns doentes não conseguem nem sair de casa e isto altera de forma brusca a vida.” Neste ano, com a falta de chuva, os pólenes chegaram mais cedo, segundo a médica. Um aviso para todos os que sofrem nesta época.


Evitar para prevenir

Para quem sofre de alergia aos pólenes, tentar fugir deles nesta época é meio caminho andado para prevenir sintomas. Consultar o boletim polínico no site da Rede Portuguesa de Aerobiologia para saber de antemão as concentrações de pólen por região e por dia – e fazer logo medicação – é o primeiro truque. Depois, fechar as janelas em casa e no carro. Quando há sintomas de conjuntivite, usar óculos de sol grandes. Evitar zonas onde há muitas árvores, ainda que o vento transporte os pólenes por largos quilómetros, também ajuda. Isso e as máscaras que agora usamos, que diminuem a exposição.


As alergias em números

50%
É a probabilidade de desenvolver doença alérgica quando um dos pais sofre de alergias. Sem fatores familiares a pesar, a alergia surge em cerca de 5% dos casos. Além da genética, o estilo de vida e fatores ambientais influenciam.

20%
Da população sofre de doenças alérgicas. A rinite é, sem sombra de dúvidas, a mais prevalente, chega a atingir 40% da população. Depois, cerca de 10% dos portugueses sofre de asma e na mesma proporção entra a dermatite atópica.

6
Anos é a idade em que a prevalência da alergia aos pólenes começa a aumentar. Antes disso, é raro desenvolver esta alergia. Em crianças mais pequenas a alergia aos ácaros é mais comum.

40% a 60%
Das pessoas que sofrem de rinite correm o risco de vir a desenvolver asma, se não forem devidamente acompanhadas e tratadas.

10
Os pólenes são mais frequentes no campo, mas na cidade são dez vezes mais alergizantes. Isto porque se fundem com as partículas diesel dos automóveis, que são altamente irritantes, o que leva a que o pólen tenha um efeito mais agressivo.