Peças de luxo, objetos de poder

O biquíni de diamantes que a estilista Fátima Lopes usou em 2000 foi avaliado em um milhão de euros

Um colar de diamantes, um relógio caríssimo, um fato de marca, um vestido distinto. O que se veste influencia o comportamento de quem usa e a perceção de quem olha. Segurança emocional, estatuto e bem-estar social fazem parte desta equação.

Em 2000, a estilista Fátima Lopes desfilou com um biquíni de diamantes, criação sua, avaliado em um milhão de euros. Foi um dos momentos marcantes da sua carreira (a caminho dos 30 anos, assinalados no próximo mês de setembro), um dos mais mediáticos, com certeza. Nesse dia, quando lhe perguntaram o que sentia por vestir aquela joia luxuosa feita roupa, respondeu: “A rainha do Mundo”. A frase espalhou-se por toda a parte. Era exatamente assim que se sentia naquele momento. Única e especial.

“Foi um momento de êxtase e de felicidade total e também de autoestima ao rubro”, recorda a estilista, 22 anos depois. Os sentimentos encaixavam-se na passarela da ModaLisboa resumidos numa frase que fez história no universo da moda. “Senti-me à altura de um milhão de dólares”, confessa. “É uma memória que será eterna e, quando me lembro, ainda me faz sentir muito bem.”

“Os objetos de luxo são também objetos de poder, simbolicamente, quando são reconhecíveis”, observa Eduarda Abbondanza, fundadora e diretora da ModaLisboa, professora universitária. São peças que, sustenta, dão “segurança, conforto e bem-estar social a um público que tem dinheiro”, capacidade financeira para comprar esses objetos. “São produtos excecionais, não só na sua conceção, como na sua fabricação.” Têm uma história, um percurso, visibilidade e reconhecimento para quem os adquire e os coloca no corpo. Há esse lado da experiência, do sentir-se especial, da segurança emocional. É também uma questão de integração social. “Independentemente do outro lado mais visível, dos outros reconhecerem o tipo de roupa ou de joias, há um lado individual de bem-estar emocional que vai além do que é visível ao olhar das outras pessoas”, resume Eduarda Abbondanza.

Ter é poder. Está entranhado na sociedade. Cristina Duarte, socióloga, investigadora, professora universitária, autora de livros acerca do mundo da moda e seus criadores, destaca esse ponto. “Na minha ótica de estudo, o que isso faz e provoca no nosso desempenho, dentro de um grupo, está associado mais do que ao poder económico, ao poder social”, considera. O que tem o seu impacto. “A influência de peças designadas como luxo junto das camadas mais jovens da população será (in)visível consoante a disseminação de imagens, levando-nos a equacionar o poder delas, mais do que dos próprios objetos, que terão uma maior expressão de negócio nas camadas etárias mais velhas, com maior poder de compra e capital simbólico acumulado”, refere.

Quem se sente especial age como se fosse especial. E a roupa e os acessórios são fundamentais. Alexandra Cruchinho, diretora do curso de Design e Produção de Moda da Universidade Lusófona, com um percurso ligado ao têxtil e à moda, lembra uma experiência que foi um desafio. Trabalhar com jovens, sobretudo raparigas, com problemas de ansiedade e baixa autoestima através da moda. O designer de moda Carlos Gil criou e ofereceu pequenos lenços e écharpes a esse grupo. “A oferta de uma écharpe elevou-lhes a autoestima. Muitas vezes, as jovens veem estereótipos de corpo das pessoas que desfilam na passarela como o modelo ideal de beleza, e não é”, comenta Alexandra Cruchinho. Há muitas outras formas de beleza.

No dia a dia, a estilista Fátima Lopes usa anéis nas duas mãos e um bom relógio. Se não tiver joias, sente-se despida. “Faz parte de mim”, reconhece. Grande parte das joias que usa, e que fazem parte da sua indumentária, são criações suas. “Uso muito pouco, mas bom.” Não aprecia brincos, colares prefere-os discretos. Arranja-se sempre, para si e não para os outros, em qualquer contexto, seja para trabalhar, seja para sair. “É uma forma de estar, é uma forma de ser.”

Em seu entender, não há uma bitola única, uma fórmula para todos, para avaliar o impacto de uma peça de luxo no comportamento. “Para alguém que nunca usou e usa a primeira vez, acredito que seja muito especial.” Para quem está habituado, é uma rotina. “São situações diferentes que não se podem misturar”, argumenta. “Importante é olharem-se ao espelho e sentirem-se bonitos. A beleza física é muito subjetiva, não há um estereótipo de beleza – e cada vez menos.”

Estima, prestígio, exclusividade

Uma peça de design distinta, de luxo, com logótipo visível ou reconhecível, não passa despercebida, repara Alexandra Cruchinho. Seja um relógio, seja uma carteira, o que quer que seja. “É uma forma de captar a atenção do outro e isso eleva a autoestima. Quem usa sente-se muito mais confiante, muito mais seguro, sente-se mais enaltecido.” E quem vê não fica indiferente. A apresentação visual causa impacto. “Uma peça com alguma exuberância chama logo a atenção e posiciona a pessoa que a usa em determinado estatuto social e económico, condiciona a perceção que os outros têm.”

“O luxo está mais democratizado. Mas como?”. Cristina Duarte questiona e responde. “Pela cópia, sem dúvida, mas também pelo uso generalizado como conceito noutras áreas além do vestuário, inclusive pela aplicação ao lazer e usufruto do tempo.”

Madalena Barata, designer de moda, doutoranda de Design de Moda da Universidade da Beira Interior, analisou os valores percebidos pelo consumidor da moda de luxo na decisão de compra, num trabalho de doutoramento entregue em janeiro deste ano. Luxo tornou-se um termo rotineiro e está normalmente associado à exclusividade, à qualidade, ao estatuto.

É, essencialmente, uma questão de estima e de prestígio. “As características principais das marcas de luxo incorporam um alto nível de preço, excelente qualidade, exclusividade, singularidade estética, raridade e simbolismo, bem como uma longa história e reputação”, lê-se no seu trabalho. A ostentação do luxo tem as suas leituras. As peças são desejáveis muito para lá da sua real função. Muito mais do que um objeto de adorno, um objeto para impressionar e, dessa forma, aumentar a confiança e a autoestima. “Quem usa, quem compra artigos de luxo, quer pertencer a uma elite, a um grupo restrito, e quer demonstrar aos outros que os pode comprar, quer ser visto como tendo esse poder”, salienta a designer de moda. É a busca de estatuto e representação social, a pertença a um nicho. São compradores sofisticados, com dinheiro, influenciados pelos aspetos simbólicos das marcas de luxo, interessados em exercer influência social. Marcar terreno, vincar uma classificação social de poder, distinção. E pode ser apenas uma questão de aparência. “Afastar-se de um mundo para pertencer a outro mundo.” Em todo o caso, o comportamento varia de pessoa para pessoa, dependendo da suscetibilidade à influência interpessoal. Cada um usa o luxo como o perceciona. Seja para si, seja para os outros.

A socióloga Cristina Duarte lança várias questões. O que estará nos antípodas do luxo? Até que ponto a sociedade é vítima das imagens que se replicam em tantos lados, em toda a parte? Perguntas que junta à discussão do luxo, seus objetos, e sua influência e impacto. Perguntas que abrem outras portas ao debate.