A partir de 2007, os dias do CEO da Farfetch mudaram. Passaram a começar muito mais cedo. Levanta-se às cinco da manhã. Depois de meia dúzia de horas de sono, hora e meia de exercício, meditação, ioga. Define-se criativo e empreendedor. Sonhador, chamam-lhe os amigos. Visionário.
Num dia parisiense, chuvoso e cinzento do ano 2007, a vida de José Neves mudou. A refinada semana de moda da capital francesa, a que assistia, serviu de inspiração ao português, que gizou um modelo de negócio, à época, original: uma plataforma global para venda de artigos de luxo das melhores boutiques do Mundo. A Farfecht.
Ideia pioneira, sobretudo por ter como única fonte de receita a comissão cobrada por artigo, desobrigando assim a plataforma do risco de assumir mercadoria. E de sucesso. Quinze anos depois, a Farfecht fez do fundador um dos homens mais ricos de Portugal, mais precisamente o segundo mais rico, de acordo com números de 2021. O empresário vale 2,3 mil milhões de euros.
A criação conjuga duas paixões do criador: moda e tecnologia. A primeira, tardia, “abriu-lhe a cabeça ao Mundo”. Seguindo a tradição familiar herdada do avô, proprietário de uma fábrica de calçado, José Neves estreou-se no mundo fashion criando uma marca de sapatos, desenhando uma coleção inteira, arriscando numa primeira feira, em Itália, de onde trouxe encomendas do Japão, dos Estados Unidos e da Alemanha. A tecnologia é um amor precoce. A mãe, autora de manuais escolares de Matemática, doutorada em linguagens de programação de auxílio ao ensino, e o pai, diretor de marketing de uma farmacêutica, incentivaram a vocação. Criança asmática, filho único, Neves começou a programar aos 8 anos, num ZX Spectrum, presente de Natal dos pais. Dez anos depois, abriu uma pequena empresa, a primeira, de produção e desenvolvimento de software. Aluno brilhante a Matemática e Estatística, tinha 19 anos e acabava de chegar à Faculdade de Economia do Porto, cidade onde nasceu e cresceu. Ele próprio admite: nunca foi muito bom programador como também nunca foi muito bom designer de sapatos. Para concluir: “Porém, as duas coisas juntas são raras de encontrar e é uma vantagem competitiva minha”.
A partir de 2007, os dias mudaram, de facto. Passaram a começar muito mais cedo. O CEO levanta-se às cinco da manhã. Depois de meia dúzia de horas de sono, hora e meia de exercício, meditação, ioga. “Como a empresa é global e há fusos horários, normalmente acordo com os chineses e deito-me a falar com os americanos”, referiu numa entrevista.
É budista e, por isso, dizem os amigos, muito sereno. Serenidade decisiva para vários momentos de adversidade, nomeadamente na Farfetch. A multinacional sobreviveu à falência do banco Lehman Brothers, estava a caminho a primeira ronda de investimento, que assim caiu por terra. Em 2020, a pandemia colocou novo desafio. As ações da plataforma, cotada em Bolsa desde 2018 a 20 dólares cada título, atingiram mínimos históricos, na barreira dos sete dólares. Nem então José Neves entrou em pânico. Tinha razão – em 2021 as ações ultrapassavam os 70 dólares.
Define-se criativo e empreendedor. Sonhador, chamam-lhe os amigos. Visionário. Audaz, enérgico, persistente. É discreto. Com preocupações sociais associadas a uma fundação a que dá o nome, a notícia causou alguma estranheza. Esta semana, a plataforma mereceu críticas severas ao saber-se que os formulários de emprego da multinacional incluem perguntas sobre etnia e orientação sexual. “Para fins estatísticos apenas”, dizem os responsáveis, quando confrontados com os termos usados: “preto”, “cigano”, “gay”. A Comissão para a Cidadania e Igualdade avisa que esta formulação é ilegal. Veremos se irá ser alterada. Não foi possível questionar o perfilado. José Neves vive em Londres e visita frequentemente Portugal. Pela família, pelo peixe e pelo vinho. Pai de seis filhos, é adepto do “minimalismo japonês”.
José Manuel Ferreira Neves
Cargo: presidente executivo da Farfetch
Nascimento: Junho de 1974 (47 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Porto)