O desalinhamento dentário não afeta apenas a aparência. É um problema de saúde que provoca cáries, infeções, dores de cabeça. Mexe com a autoestima e prejudica a higiene oral. E o sorriso não é como devia ser.
Os dentes encavalitados, desalinhados, tortos, não destoam apenas nas fotografias. Há causas que explicam por que motivo ficam apinhados e há consequências que prejudicam a saúde, para lá da estética. É um assunto que envolve dentes, maxilares, músculos, articulações. Há formas de tratar este problema que mexe com a autoestima. Ou não fosse o sorriso um importante e simpático cartão de visita.
“A anatomia dentária dá a personalidade do sorriso de cada um de nós. A forma, a textura, a cor dos dentes naturais e como eles se dispõem, a proporcionalidade dos incisivos superiores, a presença de diastemas, o sorriso gengival, associado com outras estruturas faciais e individuais do paciente, definem o seu sorriso”, observa Mariana Seabra, médica-dentista especialista em Odontopediatria pela Ordem dos Médicos Dentistas. Dentes tortos são dentes apinhados numa linguagem clínica, científica, formal. E a primeira preocupação é, sem dúvida, a estética. “Um sorriso desalinhado ou esteticamente desarmonioso constitui o principal motivo pelo qual muitos pacientes procuram uma primeira consulta de avaliação com um ortodontista”, revela Maria João Bila, médica-dentista, pós-graduada em Ortodontia.
Tiago Bessa, médico-dentista especializado em Ortodontia, recorda uma imagem que circulou nas redes sociais. Um homem não tinha um dente da frente e não tinha uma sobrancelha. As atenções recaíram imediatamente na falha do dente e só depois, e nem todos, se reparou na sobrancelha que não estava lá. O que demonstra que, de facto, os dentes saltam à vista em todas as caras. “O nariz e os dentes são duas estruturas que chamam muito a atenção.”
Cada dente devia estar no seu lugar, dentes alinhados, bem posicionados, tudo perfeito. Mas nem sempre assim é. Porque entortam os dentes? Porque não ficam direitos? Porque desalinham e encavalitam? Há motivos e justificações. A genética tem a sua parte de responsabilidade, a causa hereditária entra nesta equação. “As causas para estas desarmonias dentárias e maxilares podem ter origem hereditária ou ambiental”, afirma Maria João Bila.
Vamos a exemplos: “A falta de espaço; os hábitos parafuncionais tais como chuchar no dedo, excesso de pressão da língua contra os dentes e o uso prolongado da chupeta além dos três anos de idade; a falta ou a perda de um ou mais dentes podem originar uma movimentação indesejada dos dentes, fazendo-os ficar desalinhados/inclinados; as malformações faciais e a respiração oral”, adianta Mariana Seabra. Respirar pela boca, por exemplo, provoca alterações no formato dos ossos maxilares e das arcadas dentárias, sobretudo na infância.
Os centímetros a mais ou a menos e os lugares ocupados podem explicar o desalinhamento dentário. “Esta questão tem muito a ver com a disposição e com o tamanho dos maxilares, dos dentes, e dos espaços entre eles. Dentes grandes em cima, dentes pequenos em baixo, ou vice-versa, por exemplo. Tudo importa. E há muitas questões associadas a tudo isso, os dentes encavalitam, a higiene oral torna-se muito mais complexa”, realça Tiago Bessa. Se não se consegue chegar a todos os dentes, como escovar convenientemente? Depois, há infeções e outras complicações. “Os incisivos superiores inclinados para trás, numa altura de crescimento, dentes que batem nos dentes, a mandíbula inflama, a chamada restrição mandibular, o que provoca dores de cabeça.” Dores estas associadas a problemas da articulação da têmpora mandibular. Está tudo interligado.
Mariana Seabra também fala nesses fatores e como tudo se conjuga para o bem ou para o mal. “O desalinhamento dentário pode variar desde simples rotações/inclinações de um dente a múltiplos dentes com severidade variável. O problema poderá estar associado aos dentes apenas, embora muitas vezes esteja associado ao tamanho e forma dos maxilares”, diz.
Não, não é apenas uma questão estética, como se sabe. É muito mais do que isso. O mau posicionamento dos dentes tem consequências a vários níveis e os problemas são diretamente proporcionais à gravidade da situação. Quanto mais tortos, pior. Desde logo, a higiene fica comprometida. Dificuldade em chegar a todos os dentes, lavar corretamente, fazer tudo como deve ser, escovagem eficiente e uso do fio dentário. E se isso não acontece, há maior probabilidade de mau hálito, cárie dentária, gengivite, acumulação de tártaro. “Para além da vantagem estética de ter um sorriso alinhado, a higiene oral é sempre facilitada quando os dentes se encontram bem posicionados. Podemos e devemos afirmar que dentes alinhados ajudam na prevenção e manutenção da saúde oral”, salienta Maria João Bila.
Há ainda a oclusão dentária, ou seja, a forma como os dentes se relacionam entre si. Uma incorreta oclusão provoca danos, segundo Maria João Bila, nomeadamente mordidas cruzadas, mordidas abertas, maxilar retraído. Muitas vezes, são situações desconhecidas pelo paciente e detetadas pelo ortodontista numa consulta. E a idade ideal para a primeira consulta de ortodontia deverá andar pelos seis, sete anos.
Atrofias maxilares, alterações na dicção
Dentes desalinhados significam implicações além da estética facial. “Pode afetar a autoestima, pois as pessoas com dentes ‘tortos’, quer seja por apinhamento projetados para fora ou inclinados para dentro, podem ser levadas a inibir o sorriso por vergonha e a afetar a sua vida social”, adianta Mariana Seabra. Uma situação que se torna mais problemática quando são os dentes da frente, por serem suscetíveis a traumatismos dentários e, em certos casos, haver alterações fonéticas, ou seja, as palavras não saírem com a sonoridade com que deviam ser pronunciadas.
É a aparência e é o lado emocional da questão. “Mexe com a vida das pessoas e com o mercado laboral”, comenta Tiago Bessa. Há pessoas que não se sentem confortáveis numa entrevista de emprego, numa apresentação mais formal, no dia a dia profissional, por não conseguirem sorrir, por terem vergonha de mostrar os dentes.
Mas não é preciso desesperar. É um problema que tem solução, abordagens terapêuticas adaptadas a cada paciente. Maria João Bila apresenta alguns exemplos: aparelhos removíveis ou fixos, alinhadores dentários, ou uma combinação de ambos. “Os aparelhos removíveis são mais usados por crianças em fase de dentição mista (crianças com dentes de leite e definitivos) para a correção de atrofias maxilares (arcadas estreitas), por outros motivos ortopédicos (acompanhamento do crescimento e desenvolvimento dos maxilares) ou até para pacientes que apresentam hábitos deletérios (posicionamento incorreto da língua e que, consequentemente, origina alterações na dicção)”, pormenoriza. Os aparelhos fixos, sustenta, são cimentados à superfície dentária e são bastante usados nos adolescentes e adultos, só que exigem um esforço maior na hora de escovar os dentes. “Os alinhadores dentários têm-se mostrado uma excelente opção pelas suas vantagens estéticas, conforto e facilidade na manutenção de uma boa higiene oral”, acrescenta.
Quanto mais cedo se corrigir os dentes tortos, na infância ou na adolescência, menos problemas no futuro, na idade adulta. O mais comum é colocar um aparelho para corrigir ou alinhar a posição dos dentes. Mariana Seabra explica o que acontece. “As forças exercidas pelo aparelho permitem a movimentação dos dentes para a sua posição correta. Ou seja, esta movimentação resolve o problema do desalinhamento, desde que efetuado o diagnóstico de forma correta e o tratamento instituído com a técnica adequada, caso contrário, os dentes voltam a ficar desalinhados mesmo depois de usar aparelho.” O tempo de utilização do aparelho depende da técnica utilizada e da gravidade do mau posicionamento dentário.
A prótese fixa através da colocação de coroas ou pontes, normalmente de cerâmica postas em posição alinhada sobre os dentes, é outra solução de tratamento para adultos, mais rápida e indicada quando o espaço o permite. Nos tratamentos, Tiago Bessa avisa que poderá ser necessário tirar um ou mais dentes, desgastar um ou outro dente, alongar o maxilar e inclinar os dentes para a frente. O que não é complicado, complexo é o sistema que une os maxilares, os dentes e as próprias articulações funcionarem a 100%. Seja como for, consultas regulares de avaliação dentária são a melhor forma de prevenção. A ortodontia existe para prevenir e resolver problemas de alinhamento dentário e posicionar os maxilares. Dentes alinhados, sorrisos rasgados.