Jorge Manuel Lopes

A grandeza das pequenas histórias


Crítica de fanzine, por Jorge Manuel Lopes.

No final do fanzine “Cliché Música” (Holuzam) vê-se a porta do número 7 da Rua dos Caetanos, Bairro Alto, Lisboa. Foi na cave desta casa que, entre 1980 e 83, se materializou uma loja com um papel crucial na disseminação de uma nova forma de respirar as artes e a cultura urbana, num Portugal ainda com muitos quilómetros sociais e económicos para recuperar. Tendo testemunhado o terramoto cultural londrino na década de 1970 (punk, pós-punk, neo-romântico, faça-você-mesmo), Vera Futscher Pereira, João Pinto Nogueira, Maria Helena Redondo e Rui Pavão geraram a Cliché. Por lá vendiam-se roupas criadas por Maria Helena Redondo e discos expedidos de Nova Iorque e da capital britânica por mãos amigas. A loja e as festas particulares na casa que a albergava eram um ponto de encontro multidisciplinar (com ramificações na música, teatro, moda, cinema, literatura, clubes), uma comunidade mais ou menos informal, desejosa de rasgar um novo presente. Foram um dos geradores da cultura noturna que pouco depois iluminou o Bairro Alto e Lisboa restante. Não tardou que a Cliché se lançasse na edição discográfica, fruto de contactos firmados em Londres com a Rough Trade. Via Cliché Música chegaram cá meia dúzia de discos incluindo “Odyshape”, de The Raincoats, e a obra-prima minimal “Colossal youth”, dos Young Marble Giants. O seu único lançamento próprio, também o derradeiro, foi “Belzebu”, dos Telectu.

A história breve, informal, cintilante e inspiradora da Cliché é agora contada, de forma exemplar, numa revista de texto único. José António Moura fornece abundante contexto político, social e cultural, cruzando novos depoimentos de múltiplos protagonistas com um sábio recurso a artigos e entrevistas de arquivo. Pelo meio, preciosas fotografias e documentos vários da época. Os movimentos artísticos e sociais, com as suas copiosas e fascinantes ramificações, fazem-se de pequenas grandes histórias como esta.