2022 em palavras por quem pensa o Mundo

As palavras de Einstein que continuam a definir bem a Política destes dias, a esperança numa Saúde que se agigante perante um SNS mais fortalecido e modernizado, o futuro da Economia à luz da perspetiva de um Mundo estável, a Justiça “que não podemos esperar, mas devíamos”, a necessidade urgente da Ciência e o Ambiente que enfrenta o maior de todos os perigos. Carlos Jalali, Fernando Araújo, Nuno Fernandes, Germano Marques da Silva, Elvira Fortunato e Viriato Soromenho-Marques lançam o ano que aí vem.

Einstein em 2022

Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro, abordou o ano que aí vem na perspetiva da Política.

Assembleia da República
(Foto: Gerardo Santos/Global Imagens)

Em janeiro de 1946, numa conferência, perguntaram a Albert Einstein porque é que a mente do ser humano, que podia chegar tão longe que conseguia descobrir a estrutura do átomo, era incapaz de conceber os meios políticos para controlar o poder atómico e garantir que este não extinguiria a Humanidade. Ao que Einstein terá respondido: “Caro amigo, isso é simples. É porque a política é mais difícil do que a física”. Passados 75 anos, o facto de a pandemia covid-19 continuar a ser um tema central para 2022 sugere que a política não é apenas mais difícil do que a física; também o é em relação à medicina.

Os meios médicos para conter a pandemia estão, em larga medida, desenvolvidos. A 31 de dezembro de 2020, a Organização Mundial da Saúde validava a primeira vacina contra a covid-19, suscitando a convicção de que o novo ano que se avizinhava traria o fim da pandemia. Um ano depois, terminamos 2021 com uma infeliz certeza: a pandemia prossegue.

O que falhou? Como diria Einstein, foi o mais difícil: a política. Contudo, não foi a política nacional dos diferentes Estados que falhou de forma fundamental. Em maior ou menor grau, estes têm procurado mitigar a situação sanitária e atenuar os seus efeitos sociais e económicos. Antes, o falhanço foi coletivo: derivou da ausência de coordenação e cooperação a nível global.

A ausência de coordenação política fez com que os Estados adotassem – e continuem a adotar – medidas de contenção (p.ex., confinamentos) de forma desarticulada uns dos outros. Desnecessário será dizer que as fronteiras não representam qualquer barreira contra o vírus. O confinamento pode temporariamente reduzir a incidência pandémica de um país. Mas é incapaz de resolver a pandemia enquanto o vírus circular noutros pontos deste Planeta comum.

Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro
(Foto: DR)

A falta de cooperação fez com que a vacinação procedesse de forma extremamente desigual a nível global. A título de exemplo: quase um ano depois da aprovação das vacinas, o maior país do continente africano tem apenas 1,9% da população com a vacinação completa. Resultado? A circulação do vírus e o fomentar de novas variantes, que põem em causa a própria eficácia das vacinas.

Na pandemia, e nos desafios económicos e sociais que esta gera, a resposta política requer compreender que o Planeta é uma casa comum, onde estamos todos interligados. Que somos “ondas de um só mar”: a visionária expressão proferida há mais cem anos por Abdu’l-Bahá e que foi relembrada no pico da pandemia quando acompanhou um carregamento de equipamento médico enviado a Itália.

Não é preciso ser Einstein para compreender isto. Mas, já agora, Einstein concordaria. Como escreveu em 1940, “estou convencido de que uma organização política internacional é não só possível como incondicionalmente necessária” para evitar que a “situação do nosso Planeta” se torne “insustentável”. Será 2022 o ano em que a política se torna capaz de responder aos desafios globais? Não será fácil. Mas não é impossível. E, ao contrário das leis físicas, a política depende de nós.


Como fortalecer e continuar a modernizar o SNS

Fernando Araújo, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de São João, abordou o ano que aí vem na perspetiva da Saúde.

Hospital de S. João

O que podemos esperar do Serviço Nacional da Saúde em 2022? Diria que queremos um SNS que tenha aprendido as lições destes dois anos duros de covid-19. Que não seja um SNS+, mas um SNS diferente. Que não reaja, antes preveja e planeie. Um SNS que mantenha a sua filosofia original, nomeadamente a capacidade de responder com equidade a todos os cidadãos, não de acordo com a condição económica, idade, local de residência ou género, mas em função do estado de saúde. O contexto atual não é o mesmo de há 40 anos, pelo que a usar as mesmas soluções, para os novos problemas, não vamos seguramente obter o mesmo sucesso nas respostas.

Nesse sentido, queremos um SNS que possua uma ambição de saúde pública, que possua uma política transversal robusta na promoção da saúde, apostando no combate aos determinantes da saúde e que tenha os meios necessários para o concretizar.

Um SNS que possua uma real autonomia gestionária, com responsabilidade, compromisso e exigência na prestação de contas, que seja efetiva, transparente e redutora de despesas inadequadas.

Um SNS que possua um plano de investimento plurianual programado, numa área altamente tecnológica e complexa, que não se compadece com imprevisibilidade na atualização e substituição de equipamentos dispendiosos mas imprescindíveis.

Um SNS que cative, diferencie e reconheça o trabalho altamente especializado e complexo dos seus recursos humanos altamente qualificados.

Um SNS que possua orçamentos reais para as instituições, que permitam uma gestão rigorosa e exigente das lideranças no cumprimento dos planos de atividade e orçamentos, com responsabilização pelos resultados.

Um SNS que reforme os cuidados de saúde primários, que promova a sua desburocratização, assegurando que se concentrem nas suas dimensões mais críticas.

Fernando Araújo, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de São João

Um SNS que discrimine de forma positiva os mais vulneráveis, priorizando a saúde mental, os cuidados paliativos, os comportamentos aditivos e dependências, sem esquecer os idosos.

Um SNS que promova a articulação com as entidades sociais e privadas, focado nos cidadãos, sem dogmas, mas na defesa do interesse publico.

Um SNS que promova a digitalização da saúde e que planeie e organize a sustentabilidade do SNS a médio e longo prazo, nomeadamente implementando uma política sobre a inovação nos medicamentos e dispositivos médicos, fomentando os preços compreensivos e per capita ajustados à população de referência, no sentido de promover a integração das respostas e criando um programa dedicado a transformar o pagamento por volume em pagamento pelo valor criado para o cidadão.

É tempo de resistir à preguiça de voltar a querer o SNS pré-covid e não adormecer na sombra do PRR, esperando que as verbas resolvam os problemas da Saúde. Devemos ser ambiciosos e disruptivos, num contexto extremamente dinâmico e competitivo, com um aumento da exigência dos cidadãos nas respostas em saúde.

Com a certeza de que é possível fazer acontecer em 2022, se nos empenharmos, em conjunto, reconstruindo o SNS: um SNS para as pessoas.


Um “Mundo estável” em 2022

Nuno Fernandes, professor catedrático no IESE Business School (Espanha), abordou o ano que aí vem na perspetiva da Economia.

(Foto: Unsplash)

Fazer previsões económicas é sempre complicado, sobretudo no Mundo conturbado em que vivemos. A incerteza global está elevada, e existe a possibilidade de termos em 2022 desenvolvimentos muito disruptivos para o mundo como um todo. Este artigo assume que os principais fatores de risco que pesam sobre a Humanidade não se vão materializar. Ou seja, supõe que existirá uma evolução positiva do controlo da pandemia e que não existirá nenhum conflito bélico substancial no Sudoeste Asiático, nem nas fronteiras europeias com a Rússia. É o cenário que eu chamo de “Mundo estável”. Caso algum destes fatores ocorra, obviamente que estaremos perante cenários muitíssimo negativos. Pelo que qualquer decisor faz bem se os incorporar nas suas análises de cenários e planeamento.

Assumindo um “Mundo estável”, destacaria algumas tendências económicas para 2022.

Estamos cada vez mais perto do fim do dinheiro barato. O norte-americano FED já anunciou (até três) subidas potenciais da taxa de juro de referência. E mesmo que o Banco Central Europeu decida não atuar e continue com uma política de juros baixos, a globalização dos mercados significa que uma subida de taxas nos EUA levará ainda assim a um aumento dos custos de financiamento na Europa, via comportamento dos investidores nos mercados secundários. Como é sabido, Portugal tem um problema com a sua dívida. Um aumento de 1% na taxa de juro significa que o Estado irá pagar mais 2700 milhões de euros em juros. Ou seja, mais do que o orçamento de vários ministérios somados.

Globalmente, a subida potencial de taxas nos EUA tem efeitos negativos em vários mercados emergentes na Ásia, América Latina e África. Em alguns mercados mais vulneráveis, uma subida de taxas nos EUA e Europa pode causar dificuldades no refinanciamento, saídas de capital e mesmo crises cambiais.

Nuno Fernandes, professor catedrático no IESE Business School (Espanha)
(Foto: DR)

2022 tem também o potencial de ser o ano em que vários investidores privados se vão ver envolvidos em perdas e fraudes, relacionados com investimentos em criptoativos. Desde o confinamento que se iniciou em março de 2020, milhões de jovens e adultos sem qualquer experiência de investimentos viraram-se para os seus computadores na expectativa de conseguirem bater, com as suas decisões de trading, os grandes tubarões financeiros. A maior parte dos investimentos em criptoativos pouco tem diferente do jogo online ou de uma ida ao casino. Dada a explosão em termos de publicidade (veja-se quem patrocina várias equipas de futebol ou de basquetebol mundiais e a quantidade de anúncios nas redes sociais mais usadas pelos jovens), o potencial para o pequeno investidor, pouco sofisticado, ser “enrolado” é grande.

2022 deverá registar descidas na inflação. Como é sabido, as cadeias de valor mundiais, e em particular as redes de distribuição, foram muito afetadas pelos diferentes confinamentos e diferentes evoluções da pandemia a nível mundial. Algumas estimativas apontam que estamos agora no pico das disrupções nas cadeias de valor e que, daqui para a frente, a estabilização acontecerá. Assim, o aumento da inflação que se verificou ao longo do ano atual deverá reverter-se a partir do primeiro trimestre de 2022.

Não obstante o crescimento económico em 2021, o nosso país não conseguiu compensar as fortes perdas de rendimento de 2020. Em Portugal, o PIB apenas deve atingir no final do primeiro semestre de 2022 os níveis anteriores à pandemia. Quando nos comparamos com os nossos parceiros europeus, verifica-se que a economia portuguesa está em perda relativa face aos outros países. Ou seja, tivemos uma crise muito mais aprofundada e não fomos capazes de sair dela mais rápido do que os outros.

Estamos obviamente bastante dependentes da recuperação do turismo para perceber qual será o crescimento real do PIB em 2022 e anos seguintes. E aqui, infelizmente, dependemos muito pouco de nós, pois Portugal é uma pequena economia aberta e com concentração significativa da atividade em alguns setores, sendo por isso particularmente dependente do que se passa no Mundo.


A Justiça em 2022 – o que não podemos esperar, mas devíamos

Germano Marques da Silva, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, abordou o ano que aí vem na perspetiva da Justiça.

(Foto: PxHere)

A crise da justiça não é de agora, é de sempre. A vontade constante de dar a cada um o que lhe pertence (Ulpiano) alimenta a tensão eterna entre os ideais da Justiça e o Direito, por uma parte, e entre a Lei e a sua aplicação, por outra. A crise, aqui e agora, não resulta da lei votada e promulgada em conformidade com os valores e regras que a Constituição democrática consagra, é fruto da sua má aplicação. Mesmo uma má lei, e também as há atabalhoadas, quando bem interpretada e aplicada no espírito do sistema, ou seja, em conformidade com a dignidade da pessoa humana que constitui a pedra basilar da nossa República, ainda pode permitir realizar a Justiça, mas uma boa lei mal interpretada dificilmente conduz ao bonum et aequum que caracteriza o Direito justo. Não são precisas reformas profundas das leis, bastam atualizações para acompanhar a dinâmica social; precisa é a disposição dos meios materiais e humanos suficientes e capazes para que as leis que temos, em geral boas leis, possam ser bem executadas e em tempo razoável porque a aplicação da lei fora de tempo raramente conduz a decisões justas.

Nunca teremos boa Justiça se os meios forem insuficientes e são-no. São-no desde logo no equipamento frequentemente obsoleto, na falta de magistrados e funcionários adequados ao volume de processos que lhes são atribuídos – basta pensar no que se passa com a pendência nos tribunais administrativos e fiscais e com as investigações criminais a arrastar-se por anos a fio! -, mas também, e não menos relevante, no que respeita à formação de todos os agentes da Justiça. A boa execução da lei pressupõe que quem a administra possui o sentido da Justiça, que é uma sensibilidade extremamente exigente, um habitus mentis, que precisa de ser cultivada e se afina com a experiência da vida, a imitação dos maiores, a humildade intelectual e muito estudo. Não compreendo, por isso, que perante as dificuldades por carência de magistrados se siga o caminho mais fácil: o encurtamento da duração dos cursos de formação como foi decretado ainda agora pelo Decreto-Lei n.º 115/2021, de 15 de dezembro. Também o acesso ao CEJ pela via profissional necessita de ser revisto porque quem não aprende na escola, muito dificilmente aprende depois, ademais com cursos encurtados!

Germano Marques da Silva, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa
(Foto: DR)

A deficiência na formação dá azo à ignorância justiceira. O justiceiro ignora os princípios e valores do sistema legal, abraça o populismo para ser mediaticamente aplaudido, abusa da irresponsabilidade estatutária, reclama das leis e dos políticos pelo excesso de direitos e garantias, desconhece que foi a falta de direitos e suas garantias que originou as monstruosidades jurídicas e humanas da primeira metade do século passado. Ainda há magistrados em Portugal, mas por este andar é de recear que a justiça legal venha a ser substituída pela aequitas cerebrina própria dos incompetentes, o que constitui o mais grave perigo do nosso tempo nos domínios da Justiça.

A lei é como a pauta da música. A insuficiência e desafinação dos instrumentos, a carência dos músicos e a má formação dos executantes fazem má a boa música. Assim é também com a lei: a justiça está na lei, mas a falta de meios e a deficiente formação dos seus agentes é causa da crise. O Direito é a arte da Justiça, mas para ser artista do Direito e da Justiça é preciso ter sensibilidade humana e jurídica, o que pressupõe boa formação jurídica, mas não só! Não são precisas mais leis, o que é preciso é que os serviços da Justiça sejam dotados dos meios materiais e humanos necessários e se cuide escrupulosamente da boa formação dos magistrados, polícias e funcionários.


Precisamos cada vez mais de Ciência!

Elvira Fortunato, cientista e vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa, abordou o ano que aí vem na perspetiva da Ciência.

(Foto: Ina Fassbender/AFP)

O ano de 2021 acabou por ser um marco na área da investigação científica e por conseguinte na área da Ciência e ficará também conhecido pelo papel agregador da Ciência não só no caso atual da pandemia, com um feito a nível mundial jamais visto: possibilidade em se terem conseguido vacinas num espaço de tempo tão curto, facto impensável há dois anos, assim como o papel que a Ciência tem e irá ter nos problemas complexos com que nos deparamos. É cada vez mais importante o papel globalizador da Ciência e da Tecnologia, e só será com mais ciência e com mais tecnologia que se resolverão os maiores desafios que o nosso Planeta enfrenta, como combater o cancro, as alterações climáticas, proteger os nossos oceanos, viver em cidades mais verdes e garantir a saúde do solo e a alimentação, só para citar alguns.

Gostaria também de realçar o excelente trabalho feito pela atual presidente da Comissão Europeia ao ter assumido a liderança na compra e distribuição das vacinas, o que possibilitou que todos os estados-membros fossem tratados de forma igualitária. Caso isso não tivesse sido feito, tenho dúvidas se eu própria estaria aqui a escrever este texto.

Elvira Fortunato, cientista e vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Um país que não aposte no conhecimento está destinado ao fracasso! Assim, porque a Ciência só progride se soubermos partilhar e trabalhar em equipa para um objetivo comum, gostaria de dedicar este ano de 2021 à Ciência e aos cientistas, particularmente os que comigo partilham das mesmas preocupações e aspiram a fazer sempre mais e melhor, em prol de um Mundo melhor!

Finalmente, gostaria de pedir aos nossos governantes que coloquem sempre a Ciência como uma prioridade governamental, uma vez que a Ciência e a Tecnologia são os fatores decisivos para o futuro de uma nação competitiva, é isso que desejo para 2022.


Enfrentar o maior de todos os perigos

Viriato Soromenho-Marques, professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, abordou o ano que aí vem na perspetiva do Ambiente.

(Foto: Philippe Desmazes/AFP)

Não há maneira suave de o dizer. Estamos a perder a guerra pela preservação das condições de habitabilidade do nosso Planeta. O coro das promessas e declarações de dirigentes políticos e económicos, que há décadas se reproduz em dezenas de reuniões internacionais – cujos temas se estendem do combate às alterações climáticas, à proteção da biodiversidade, dos oceanos, das florestas, dos solos, ou dos grandes rios internacionais -, termina quase sempre com um amargo de boca.

Os sinais do Mundo real revelam-nos ser a maioria dessas promessas desprovida daquela autenticidade que gera confiança mútua e conduz a transformações concretas. Todos os estudos sobre o estado do ambiente global, dolorosamente, confirmam: estamos a passar da situação de crise, que oferece margem para superação, para a situação de colapso, onde serão o caos e o sofrimento generalizados a ter a derradeira palavra.

Para combater um desafio é preciso estar à sua altura. A verdade é que os povos e os estados, incluindo aqui também o direito internacional e as próprias Nações Unidas, no seu combate à crise ambiental fazem lembrar os cavaleiros medievais, que se deixavam matar sob o peso das próprias armaduras. Neste caso, a armadura consiste numa constelação de interesses, preconceitos e ficções, que contaminam as leis e paralisam a eficácia das políticas.

Viriato Soromenho-Marques, professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
(Foto: Gerardo Santos/Global Imagens)

A crise global do ambiente e clima é a prova definitiva de que a sobrevivência histórica da Humanidade só poderá acontecer se trabalharmos em conjunto, colocando a salvação comum bem acima dos particularismos e dos egoísmos de toda a espécie. Infelizmente, o mito da soberania absoluta dos estados, aliado à ficção de uma economia de crescimento infinito, indiferente aos limites ambientais, têm sido as duas causas principais da nossa ineficácia perante as crescentes ameaças globais.

O ano de 2022 será crítico. As Nações Unidas, pela ação do secretário-geral, querem inspirar pelo exemplo as grandes potências, sejam as que estão em queda (EUA), em ascensão (China, Índia), ou as que permanecem como promessas adiadas (União Europeia), para a urgência de reorganizar a ação coletiva na defesa da nossa casa comum. Em junho será realizada a Conferência Estocolmo+50, evocando, com olhos no futuro, a primeira cimeira da ONU sobre ambiente realizada em 1972.

As NNUU pretendem também submeter um ambicioso programa de ação, incluindo uma reforma interna que agilize a sua própria capacidade de intervenção, através de uma grande Cimeira do Futuro, calendarizada para 2023. Portugal deu já um sinal na direção certa, ao tornar-se o primeiro país no Mundo a reconhecer – na nova Lei do Clima – que o “clima estável” não é uma mera “preocupação comum” da Humanidade, como vagamente reza o atual direito internacional, mas um “património comum”.

Para tal, é imperativa a capacidade de articulação das soberanias nacionais, sob o primado de um realismo ecológico capaz de preservar o Planeta, também como habitação das gerações que ainda não nasceram.