Rir, o tónico que suaviza o peso dos dias

O riso é uma resposta fisiológica que mexe com a fisionomia do rosto

O riso facilita a interação, estimula a criatividade, favorece a aprendizagem, regula emoções, quebra gelo e gera cumplicidade. O organismo agradece cada gargalhada. Rir faz bem à alma, faz bem ao corpo.

A humorista e radialista Joana Marques acredita que o riso tem propriedades medicinais, embora considere um bocadinho irritante a frase batida “rir é o melhor remédio.” “Não acho que o humor vá salvar o Mundo, mas pode tornar a nossa passagem por cá um pouco mais leve”, comenta.

O riso mostra o lado luminoso da realidade, por mais pesada que seja, sobretudo no meio de uma pandemia. O alívio momentâneo é uma virtude do riso. Há outros pontos a favor. “É uma pequena descarga de adrenalina que ajuda a expurgar os problemas. Não os resolve, eles continuam lá, mas talvez rindo deles nos parecem menos graves e irresolúveis.”

Joana Marques, hipocondríaca assumida, ainda mais em tempos de covid, confessa que melhora dos seus sintomas-fantasma quando se coloca de fora, como observadora, aponta o ridículo da situação e ri-se: “Ao rir-me, o monstro gigante que instantes antes me ia fazer morrer de certeza, diminui bastante de tamanho”. “Não quer dizer que fique ‘curada’ das minhas paranoias, elas hão de voltar, mas enquanto forem acompanhadas da minha capacidade de gozar com isso, não são tão graves ou angustiantes como poderiam ser”, garante. É um mecanismo que, pela sua experiência e pelo que outras pessoas partilham, funciona em diversas situações. Rir dá outra leveza à vida.

O riso é, acima de tudo, uma linguagem universal. Susana Caires, professora do Instituto de Educação da Universidade do Minho, doutorada em Psicologia da Educação, coordenou um projeto que analisou a intervenção da Operação Nariz Vermelho, os doutores palhaços que alegram os dias de crianças hospitalizadas. Os efeitos terapêuticos do riso são evidentes nesse contexto, como em outros, nomeadamente no atual momento pandémico que tem sido duro. “Rir é uma forma de abstrair de uma dimensão menos positiva e de descomprimir. Ser capaz de rir nesta fase de confinamento, seja a ver comédias ou a contar anedotas, ajuda.” As pessoas andam mais tensas e uma boa gargalhada é sempre bem-vinda.

Ajuda a imunidade, faz bem ao coração

Rir faz bem ao coração, aos sistemas vascular, imunitário e respiratório. Faz bem em termos psicológicos, sociais, cognitivos, emocionais. “Aumenta as defesas em termos imunológicos. Quando rimos, há um efeito bioquímico de libertação de endorfinas que reduzem a sensação de dor. Em termos cognitivos, pode enriquecer o processo de aprendizagem e há ganhos de memória e de criatividade”, salienta Susana Caires. Além disso, equilibra o sono, o descanso, fala-se até numa fadiga sã que rir proporciona.

O riso é uma resposta fisiológica que mexe com a fisionomia do rosto. Os músculos dos cantos dos lábios são puxados para cima e para trás, estreitando os olhos, e essa ativação facial é lida pelo cérebro que lhe dá um significado e melhora o estado emocional. Sandra Carvalho, doutorada em Psicologia, investigadora auxiliar na Escola de Psicologia da Universidade do Minho, adianta que, no cérebro, o riso está associado à ativação de redes neuronais complexas que envolvem áreas relacionadas com o processamento das emoções, vias de recompensa e vias motoras. Uma das regiões mais ativadas pelo riso está, aliás, diretamente relacionada com a deteção de conflitos, a tomada de decisões, o controlo de impulsos.

“O riso e a gargalhada, assim como a antecipação do riso e da gargalhada por si só, estão associados à libertação de neurotransmissores (substâncias químicas que funcionam na transmissão da informação) no cérebro que nos dão a sensação de prazer e bem-estar”, sublinha Sandra Carvalho. Ao sorrir libertam-se opioides endógenos, normalmente associados ao orgasmo e ao prazer, que conduzem a estados emocionais positivos que diminuem o stress e a dor.

Eduardo Madeira, humorista, ator, argumentista, conhece na pele, e de várias maneiras, o poder do riso. “As propriedades terapêuticas do riso a nível psicológico começam a ser evidentes, mesmo em termos científicos. O riso tem muita influência na saúde mental.” Lembrar que rir faz bem à saúde já não é apenas um ditado popular que anda de boca em boca. É uma evidência. “Rir ajuda a aliviar muito o peso dos dias”, assegura Eduardo Madeira que sabe bem o papel que os comediantes têm ao proporcionar momentos de evasão, de escape, de alegria. Rir suaviza a dureza da vida.

“Se levarmos as coisas de uma forma mais bem-disposta, e pelo lado mais positivo, é óbvio que o peso é menor, não deixa de cá estar, mas rir ajuda a superá-lo melhor”, sustenta o humorista. Pela parte que lhe toca, rir perante adversidades e dificuldades é meio caminho andado para amenizar situações menos boas. Ironiza que o seu botão de alarme já veio avariado ou não funciona a 100%. “Rio-me do que me acontece de mal, levo as coisas de uma forma muito descontraída. É uma despreocupação que também é preocupante.” Admite que não é um bom exemplo, mas diz que rir faz muito bem.

Melhora relações, diminui stress

O riso acaba por ser bom ingrediente para diversas ocasiões, mesmo em tempos de maior fragilidade emocional. “Humaniza as relações, a cumplicidade entre as pessoas, a partilha, é um facilitador, traz benefícios em termos de performance, ajuda a relativizar as situações”, realça Susana Caires. “O humor é uma forma de quebrar o gelo, facilita interações e é promotor de processos de cooperação. Um bom líder é alguém capaz de usar o humor para mobilizar a sua equipa”, acrescenta.

O riso está diretamente relacionado com a socialização. “O riso em contexto social pode ter um caráter estimulante, atrativo, explosivo, contagioso e até estranho”, assinala Sandra Carvalho, lembrando estudos que demonstram que o riso tem um papel fundamental a estabelecer relações entre pessoas, a estimular o sistema imunitário e até como um mecanismo de confronto em situações de stress. Rir também faz bem ao coração, o batimento cardíaco aumenta entre 10 a 20%, o sistema nervoso é ativado, gasta-se energia. “Há estudos que demonstram que 10 a 15 minutos a rir energicamente podem levar a um gasto energético de 10 a 40 calorias”, observa Sandra Carvalho. Há ainda pesquisas que revelam um aumento do fluxo sanguíneo, a diminuição de problemas cardiovasculares, bem como a melhoria da saúde a longo prazo.

O riso é uma expressão emocional positiva e, segundo a investigadora, “tem sido apontado como uma resposta eficaz para regular emoções negativas, tais como o medo, a raiva e a repulsa.” Rir, portanto, é mesmo o melhor remédio. Nos bons e nos maus momentos.