Obesidade, doença crónica e complexa, a epidemia do século XXI

A experiência nacional em cirurgia da obesidade nos adolescentes é ainda ínfima

Hábitos alimentares desadequados e redução da atividade física entre os principais responsáveis por este grave problema de saúde. A 4 de março assinala-se o Dia Mundial da Obesidade.

Cerca de 57% da população portuguesa, ou seja, cerca de 5,9 milhões de pessoas, é obesa ou está em risco de obesidade. É um problema bastante sério. É uma doença crónica, complexa, multifatorial, associada a mais de 200 outras doenças, como diabetes, hipertensão arterial, colesterol elevado, apneia do sono, problemas articulares, aumento do risco cardiovascular, acidente vascular cerebral, enfarte do miocárdio. E há ainda um risco acrescido de aparecimento de diversos tipos de cancro em quem sofre desta patologia. O Dia Mundial da Obesidade assinala-se esta quinta-feira, 4 de março.

António Albuquerque, cirurgião geral e coordenador da unidade de tratamento cirúrgico de obesidade do Hospital de St. Louis, em Lisboa, refere que a obesidade é a derradeira epidemia do século XXI. A acumulação excessiva de gordura corporal tem um impacto negativo na saúde. A fórmula é conhecida: o Índice de Massa Corporal calcula-se dividindo o peso pelo quadrado da altura. Há problemas se o resultado for superior a 30 Kg/m2.

Há vários fatores na génese desta doença. “De uma forma simplista, resulta de um balanço energético desequilibrado em que a energia proveniente dos nutrientes da alimentação é superior ao gasto energético, através do exercício físico”, adianta António Albuquerque. Hábitos alimentares desadequados e a redução da atividade física são dois fatores que levam ao desenvolvimento da obesidade. “Em muitos casos, existe uma predisposição genética, tendo já sido identificados vários genes envolvidos na génese da obesidade e sabe-se que os filhos de pais com obesidade têm um risco acrescido de vir a desenvolver a doença”, acrescenta.

O tratamento cirúrgico está indicado para doentes com obesidade grave com ou sem comorbilidades associadas

Miguel Ildefonso tem 47 anos, pesava 145 quilogramas, decidiu pedir ajuda à Associação Portuguesa dos Bariátricos. “Não conseguindo perder peso após várias tentativas, com dietas e outros tratamentos, marquei uma consulta”, recorda. O discurso médico bastante esclarecedor, as consequências do peso a mais, a qualidade de vida comprometida, os impactos na saúde, convenceram-no e deram-lhe vontade de perder peso. “O facto de ter obesidade mórbida, e saber que a covid-19 tem uma influência muito grande nestas mesmas pessoas, fazia com que eu quisesse emagrecer rápido, para não sofrer qualquer tipo de problemas”, conta.

Foi operado e a cirurgia correu bem. “Passadas seis semanas desde a operação, tendo realizado um mini bypass gástrico, perdi 25 quilos, e embora saiba que ainda tenho um percurso de 35 quilos a perder, estou bastante motivado”, confessa. Miguel Ildefonso está satisfeito com a decisão, com a operação, e com acompanhamento pós-operatório. E está focado para que os resultados esperados sejam atingidos.

Em tempos de covid-19, sabe-se que a obesidade aumenta o risco de complicações desta infeção, com maior probabilidade de os doentes com obesidade serem internados numa unidade de cuidados intensivos – há mesmo especialistas que referem um risco acrescido de 50% de mortalidade. “A maioria dos doentes com covid-19 internados nas unidades de cuidados intensivos tem excesso de peso ou obesidade e, nestes casos, torna-se bastante difícil para as equipas de saúde lidar com estes doentes, não só pelas comorbilidades como também pela maior dificuldade na entubação para conectá-los aos ventiladores, ou posicioná-los em decúbito ventral, ou seja, de barriga para baixo”, revela o cirurgião.

António Albuquerque salienta que a epidemia da obesidade manter-se-á e será agravada, não só pelo confinamento, como também pela dificuldade de acesso aos cuidados de saúde, pelas cirurgias adiadas por não serem consideradas prioritárias. “No entanto, convém lembrar que o doente com obesidade tem, em média, uma esperança de vida reduzida em dez anos”, realça.

Um doente com obesidade tem, em média, uma esperança de vida reduzida em 10 anos

O combate à obesidade deve assentar sobretudo na prevenção, contrariar o excesso de peso. No entanto, uma vez diagnosticada, é necessário tratá-la. Para casos mais ligeiros, a terapêutica farmacológica poderá ser suficiente, complementada com planos alimentares devidamente acompanhados por nutricionistas, com planos de exercício físico estabelecidos por fisiologistas. Nos casos menos graves, em que a terapêutica farmacológica, de forma isolada, não é eficaz, poderá avançar-se com tratamentos endoscópicos, com cariz temporário, como o balão intra-gástrico, ou então definitivo como a gastroplastia endoscópica, vulgarmente designada como “endosleeve”.

O tratamento cirúrgico está indicado para doentes com obesidade grave com ou sem comorbilidades associadas. “Apesar de existirem muitas técnicas cirúrgicas, a generalidade das intervenções cirúrgicas realizadas a nível mundial são: a gastrectomia vertical, também conhecida como gastrectomia em manga ou sleeve, o bypass gástrico em Y de Roux e o mini bypass gástrico ou bypass de anastomose única.” Esta última técnica cirúrgica tem sido “cada vez mais adotada por vários centros a nível mundial, pelos resultados ligeiramente superiores em termos de perda de peso e melhoria das comorbilidades”, acrescenta o especialista.

O tratamento cirúrgico da obesidade deve incluir uma abordagem multidisciplinar com a participação de várias áreas, como nutrição, psicologia, endocrinologia, cirurgia, gastrenterologia. E o sucesso dos procedimentos depende de um acompanhamento a longo prazo. “Pensar que se realiza uma cirurgia e que depois não é necessário ser acompanhado ao longo dos meses e anos seguintes pela equipa multidisciplinar, não só coloca em risco o sucesso do tratamento, como pode levar à ocorrência de complicações que podem ser graves se não detetadas e tratadas atempadamente”, avisa António Albuquerque.