Como cuidar do corpo e da mente para bem envelhecer

Não podemos parar a perda de memória ou da capacidade física, mas podemos adiá-la

No entardecer da vida, lidar com as mudanças do corpo e da mente, com os cabelos brancos ou com a falta de memória é um caminho difícil. Dicas para manter a cabeça e o corpo ativo.

A idade começa a dar passos acelerados e os cabelos brancos aparecem de mãos dadas com a dor aqui e ali, com as rugas, com as falhas de memória. E emergem as comparações com a Sé de Braga ou com o vinho do Porto. Lidar com as mudanças do corpo e da mente é uma caminhada difícil. “Uma das coisas que mais me confrange é as pessoas terem a mania que ainda estão jovens. Não vale a pena escondermos. Somos velhos. É melhor assumir e aceitar.” Maria Engrácia Leandro já saltou a barreira dos 75 anos. Sabe do que fala. Foi a primeira socióloga em Portugal a publicar um artigo sobre envelhecimento já lá vão algumas décadas.

Certo é que não há volta atrás no tempo. “É óbvio que o envelhecimento traz a degeneração mental, a perda de audição, a bengala. Cada um deve caminhar com o seu processo, não se deixando dominar por ele.” Todas as idades têm os seus encantos e desgastes. E, na velhice, entram muitos mais e muitos menos. Mais doenças, mais isolamento. Menos amigos, menos dinheiro. “Mas há várias formas de envelhecer. Aceitar este processo é melhor para a saúde mental. Quanto mais o encararmos com boa disposição, positividade, melhor vivemos.” Importa ter consciência que caminhamos para o entardecer da vida e preparar a reforma. O envelhecimento não chega do dia para a noite.

A socióloga acredita que o grande número de doenças mentais nesta faixa etária acontece porque as pessoas não antecipam a aposentação, não definem objetivos. Ainda assim, cita estudos que revelam que, com o aumento da longevidade, as pessoas vão aceitando melhor. “Prova disso é que há muito mais gente hoje a assumir os cabelos brancos.”

Aprender algo novo, não desistir

Na última década, Nadine Santos, investigadora no Centro de Medicina Geral P5 da Universidade do Minho, tem vindo a estudar o fenómeno. Sai do laboratório, vai aos centros de saúde, lares, associações. A sua equipa já recrutou cerca de três mil participantes para investigação. “Fazemos perguntas. Como é que estamos em termos cognitivos e físicos? O que é que faz com que a Maria aos 80 anos tenha dificuldades nas atividades do dia a dia enquanto a Teresa, com a mesma idade, não as experiencie?” Três grandes conclusões. “Aprendemos que manter-nos ocupados, o corpo e a mente, é muito importante. O nosso corpo não foi feito para estar parado. Também sabemos agora que o estado de humor depressivo aumenta o risco de o desempenho cognitivo cair.” Por fim, entra a genética e as patologias. “É importante ter as doenças controladas, tomar sempre a medicação para conseguirmos fazer melhor as nossas atividades.”

Não podemos parar a perda de memória ou da capacidade física, mas podemos adiá-la. Como? O Projeto GIRO, criado na pandemia, traz respostas, muitas. Durante seis meses, publicou atividades nas redes sociais (Facebook, Instagram, YouTube) com o mesmo nome. Juntou psicólogos, neurocientistas, nutricionistas, investigadores da academia minhota. Conta 130 vídeos de exercício físico, 54 desafios cognitivos, mais de 50 conteúdos úteis, desde como se faz pão em casa à explicação do que é um eclipse da Lua. Deu origem a um livro digital, que pode ser descarregado gratuitamente.

Um bom ponto de partida na reforma é definir um desafio. “Aprender coisas novas e não desistir a meio. Pode ser malha, ponto de cruz, sudoku. Ou aprender a enviar mensagens pelo telemóvel. Um desafio por ano. Isto ajuda ao estímulo cerebral”, sustenta Nadine Santos, que é um poço de ideias. Para exercitar a memória, pode fazer-se a lista de compras, tentar memorizá-la e ir sem o papel ao supermercado. Ou fazer uma lista de palavras, colar no frigorífico e todos os dias tentar lembrar-se das palavras que escreveu. Desafiar o parceiro, um neto ou um filho para um jogo de contas de cabeça. Manter-se ativo não é assim tão difícil. Pode passar por dedicar-se à agricultura, fazer um puzzle, palavras cruzadas, ler um jornal ou uma revista, fazer uma caminhada até à mercearia. “São pequenas coisas que não têm custo.”

Sair de casa e fazer amigos

Mas o estímulo da mente e do corpo vem com um anexo que não pode falhar: sair. Encontrar amigos. Somos seres sociais e isso não muda com a idade. “Ir à cooperativa jogar damas ou xadrez. Juntar-se a um grupo de atividade física, onde acabam por surgir atividades extra. Pôr a conversa em dia com a vizinha. Não é preciso uma revolução. Basta manter o que fazíamos quando éramos mais jovens”, sugere Nadine Santos.

Como diz Carolina Antunes, gerontóloga que acompanha seniores em visitas a casa ou em contexto de gabinete, “a saúde começa e termina com a saúde do nosso cérebro”. E o convívio social tem de entrar nas prioridades. Integrar um grupo de costura, viagens, dança, pesca, ou qualquer que seja o interesse, é meio caminho andado para se manter saudável. Ir para a Universidade Sénior, procurar aulas de música ou de uma língua são outras opções.

Envelhecer com qualidade é sinónimo de assumir o controlo da vida. “Apesar de a longevidade nunca ter atingido valores tão elevados, esta conquista ainda recebe uma interpretação negativa, assente em construções que associam este processo a incapacidade e dependência.” Não tem de ser assim. “Hoje envelhece-se de forma diferente. Há um maior conhecimento sobre a oferta de serviços, seja no apoio em casa ou através de atividades ocupacionais na comunidade”, sublinha a gerontóloga.

No prato: quanto mais cor, melhor

Já todos sabemos: somos o que comemos. E numa terceira idade saudável, a alimentação é parte importante do bolo. “Tem um papel muito preventivo em retardar a doença e o envelhecimento celular.” Beber pelo menos 1,5 litros de água é uma dica já sabida. Pode ser chá se for mais fácil. Mas, segundo a nutricionista Lilian Barros, “não há um ingrediente que faça rejuvenescer ou evitar o envelhecimento”. É o todo que faz magia. O segredo é apostar em alimentos coloridos: “Não basta ter só o branco do arroz e o amarelo da massa. É preciso legumes, beterraba, fruta. Devemos comer todos os dias todas as cores do arco-íris”. E incluir alimentos antioxidantes, como as castanhas do Brasil, que contêm selénio, ou gelatinas que têm colagénio para manter a elasticidade da pele. Para prevenir a osteoporose, procurar alimentos ricos em cálcio: laticínios e vegetais verdes escuros como a couve-galega.

Mas comer sempre o mesmo não é a resposta para ter mais energia, é no variar que está o ganho. Muitas vezes, a refeição acaba por ser, todos os dias, sopa e fruta. “Não tem mal se for só um dia. Mas não pode ser sempre, porque aí vamos ter carência de proteína e ficar mais frágeis. Não é preciso ter sempre a carne e o peixe no prato. Pode ser queijo fresco, grão, feijão. Ou comprar conservas em água.”

Hoje, há mais seniores a procurar nutricionistas. Quase sempre empurrados pelos filhos. “Ainda há o preconceito de que vão passar fome. Mas se explicarmos bem as alterações, adaptando às suas limitações, saem da consulta com motivação.”