Jorge Manuel Lopes

Velocidades de cruzeiro


Há semanas, o crítico britânico de cultura pop Tom Ewing fazia referência à forma aparentemente confortável e relaxada como múltiplos cantores e músicos, outrora fenómenos massivos e globais, se ajustam a um novo patamar ao cabo de algumas décadas de percurso. Um patamar de artistas de nicho, embora um nicho de dimensões generosas, com seguidores fiéis e de longo curso, que garantem vendas e procura mediática estáveis e respeitáveis. Um patamar em que, livres das pressões de outros tempos, da indústria discográfica à comunicação, entregam discos em que seguem caminhos pessoais mais demarcados, ou se dedicam a excentricidades ou a projetos há muito engavetados.

Este parece ser o caso de Alanis Morissette, que quebra oito anos de silêncio discográfico com o estupendo “Such pretty forks in the road”. Quem continuou a acompanhar a sua obra após 2002 (ano de “Under rug swept”, o último best-seller) sabe que não houve derrapagens, nem na inspiração, nem no registo pop-rock elástico, melódico, confessional mas de grande angular, no trio de álbuns que se seguiram até 2012. E assim é em “Such pretty forks…”, também imediatamente reconhecível como Alanis clássica, mesmo que haja um reforço das baladas, com o piano em maior destaque, e um inédito, e ligeiro, e fascinante, grão na voz. A intensidade é intocável e, lá está, familiar.

O caminho musical de Gloria Estefan é mais extenso, mas a velocidade de cruzeiro comercial também foi atingida na primeira metade dos anos 2000. Depois de uma negligenciada obra-prima de pop dançável (“Little Miss Havana”, com Pharrell Williams, 2011) e de clássicos do cancioneiro americano (“The standards”, 2013), em “Brazil305” Gloria e Emilio Estefan (o companheiro de sempre, na música e na vida) casam a imensurável riqueza musical afro-cubana com tradições brasileiras. Tem samba em abundância (que, entoado em espanhol, lança o ouvinte numa desorientação momentânea – elogio), tem bolero, tem salsa, tem partículas de jazz e funk, num alinhamento dominado por revisões radicais do repertório de Gloria Estefan. Luxuriante, a transbordar de vitalidade e de culturas em conversa dançada.