31 de maio de 1992. O primeiro do resto dos dias da “Notícias Magazine” e dos domingos que jamais viriam a ser iguais. Há 28 anos, Portugal era um país em mudança, que entrava no futuro e talvez ainda não soubesse. Vivia-se a primeira meia dúzia de anos de integração na então Comunidade Económica Europeia (CEE) na ilusão de que em breve faríamos parte do pelotão da frente dos mais desenvolvidos. Ainda arrefeciam feridas vindas de um 25 de Abril que atingira a maioridade, rumo a mudanças que não se sabia muito bem quando viriam a acontecer. Um país que se engalanava em fatos e vestidos de gala para as festas de jet-set cujas fotos inundavam as revistas da especialidade e que atirava para debaixo do tapete números que o colocavam na cauda do desenvolvimento. “Um oásis”, como definiu o então ministro das Finanças, Braga de Macedo.
Suspirava-se com os vestidos da moda apresentados pelas modelos da época – o estilista José Carlos era, então, quase guru das tendências de glamour, a par com a exuberância colorida de Augustus -, as mulheres corriam aos salões de cabeleireiro sonhando com os penteados faustosos que Lúcia Piloto anunciava nos média, os miúdos jogavam à bola a imitar as proezas de Futre e de Rui Barros, Cavaco Silva sentava-se na sua segunda maioria absoluta, Mário Soares era mais rei do que presidente, António Guterres sucedia a Jorge Sampaio no desanimado PS, o PCP começava a aprender a viver sem Álvaro Cunhal, o jovem Manuel Monteiro assumia um CDS caído em desgraça. O F. C. Porto foi campeão nacional de futebol com o brasileiro Carlos Alberto Silva a treinador, o Benfica tinha Jorge de Brito como presidente, no Sporting mandava Sousa Cintra.
Os bancos, que começavam a gatinhar longe da esfera do Estado, prometiam empréstimos e outras miragens a condições apetecíveis. O acesso ao crédito facilitou-se, o consumo privado foi estimulado, parecia fácil o que antes se julgava impossível.
Dinheiros e polémicas
Cem escudos, ao câmbio atual calculado pela Pordata, valiam o equivalente a atuais 0,94 euros e o salário mínimo, diz a mesma fonte, fixava-se no que hoje seriam 222 euros. A população, de acordo com números do Instituto Nacional de Estatística (INE), era de 9,3 milhões de habitantes, menos um milhão do que em 2020, os casamentos católicos superavam os 70%, o desemprego começava a afetar cada vez mais quem trabalhava na agricultura e na indústria, os serviços cresciam, as privatizações estavam na ordem do dia, os videoclubes floresciam em cada esquina e as salas de cinema preenchiam centros comerciais e iam abandonando o conceito tradicional. Preocupante era o aumento dos casos de SIDA, mais de 1 100 registados pelo Instituto Nacional de Saúde em 1992. A taxa de letalidade atingia 57,8% dos doentes e os heterossexuais eram já a maioria dos atingidos, contrariando a ideia de que a doença apenas afetava homossexuais e toxicodependentes, daí as frequentes campanhas de apelo ao uso do preservativo.
Nos jornais, na rádio e nas televisões – a internet não passava de miragem -, preenchiam as notícias as prometidas autoestradas que ligariam em velocidade e rapidez cidades até então afastadas pela distância de estradas em estado pouco aconselhável. Novas matrículas, com fundo branco, bandeira da UE e letra a identificar o país membro, foram novidade, utilizadas, por exemplo, nos novíssimos modelos Renault Clio, sucesso de vendas entre os utilitários.
Sumptuosas (e polémicas) obras também fizeram história, como o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, concluído precisamente em 1992, mesmo a tempo de servir de base à presidência portuguesa da CEE, a dois passos do Mosteiro dos Jerónimos, para desagrado de muitos que protestaram contra a quase infâmia, sob desenho do arquiteto Manuel Salgado, o mesmo que depois projetaria o Estádio do Dragão ou os caminhos públicos da Expo 98.
Por falar em Expo, 1992 foi ano de Exposição Universal em Sevilha, na vizinha Espanha, a poucas centenas de quilómetros desde a fronteira de Vila Real de Santo António. O pavilhão de Portugal, da autoria de Manuel Graça Dias (1953-2019) e Egas José Vieira, cinco pisos de imponência futurista, foi dos mais procurados, nomeadamente pelas caravanas de compatriotas que rumavam a terras andaluzas para mergulhar em metros quadrados de luz e imaginação. No final, tal como inicialmente previsto, o pavilhão não regressou à terra mãe e acabou cedido, ao Instituto de Fomento da Andaluzia, em 1996, pelo valor simbólico de… uma peseta, a moeda espanhola antes do euro.
O princípio do futuro
Vinte e oito anos podem parecer anteontem em termos históricos. No que diz respeito a comunicações, porém, foi quase na pré-história. Internet era termo conhecido por muito poucos, o mundo em rede estava a descobrir-se a ele próprio. Os telefones fixos ainda mandavam nos lares e estabelecimentos públicos, quais ditadores das ligações à distância. Mas algo estava a mudar devagar, com o alargamento da rede de telemóveis da operadora TMN, revolução bem explicada em anúncios da época que descreviam as maravilhas de um aparelho que permitia falar com quem fosse e onde fosse, sem a escravidão de um ponto fixo. “Um sistema móvel de comunicação telefónica, fiável e tecnicamente evoluído”, assim se propagandeava a excêntrica novidade. Mais acessíveis eram os Telebip, popularmente apelidados apenas como bips, pequenos retângulos digitais eletrónicos que anunciavam recados de última hora e lembretes de entretanto.
Mil novecentos e noventa e dois marcou o arranque da televisão privada, anunciada pelo Governo em fevereiro. Com ela, Portugal conheceu novas estrelas, como a explosiva Catarina Furtado, novas linguagens noticiosas, novos programas, novas realidades, uma nova forma de fazer televisão. Era a SIC, nascida a 6 de outubro pela mão de Francisco Pinto Balsemão. Nessa terça-feira de outubro, às 16.30 horas em ponto, a jornalista Alberta Marques Fernandes cumprimentou rapidamente os telespectadores e leu as notícias do dia. A TVI não tardaria. Iria para o ar em fevereiro de 1993, católica e mais formal. No conteúdo e na forma.
A RTP tentou defender-se como pôde. Senhora de um monopólio televisivo de 35 anos, apostou na continuação de estrelas como Herman José (o seu “Parabéns” era gala aos sábados à noite, mistura de concurso com programa de humor e late-night show), Não evitaria, enfim, a fuga do popular Lecas, nome artístico de José Jorge Duarte, estrela entre a criançada que assinou pela nova rival de antena.
Nas televisões passaram imagens das enchentes nas Antas e em Alvalade para aqueles que foram os grandes concertos do ano. Frank Sinatra fez-se ouvir no Porto e, disseram as críticas, ficou a desejar em termos de empatia com o público. Em Lisboa, Michael Jackson deu show e os atribulados e controversos Guns N’ Roses, também. Houve, ainda, estádio repleto para ver uma banda portuguesa: coube a honra aos GNR, no Estádio de Alvalade, no ano em que o seu “Rock in Rio Douro”, de onde saíram êxitos como “Pronúncia do Norte” ou “Ana Lee”, foi top de vendas. Era Portugal a imitar os grandes, a pensar num futuro que, pensava-se então, estaria já aí…