Problemas nos intestinos? Há uma cápsula que mostra tudo (e sem anestesia)

O exame com vídeo cápsula endoscópica pode ser efetuado em ambulatório Foto: Freepik
O intestino delgado sempre foi uma zona de difícil acesso. Para saber o que lá se passava, era necessário usar endoscópios flexíveis, técnicas mais demoradas e dolorosas para uma completa observação da mucosa. A cápsula endoscópica chegou e simplificou a vida a muita gente. Acesso visual a toda a mucosa do intestino delgado de modo fácil, cómodo para o doente e para o médico, sem necessidade de sedação anestésica ou internamento hospitalar.
A cápsula endoscópica está disponível desde 2001 na prática clínica. Uma verdadeira revolução. Neste momento, a medicina tem ao seu dispor diversos tipos de cápsula endoscópica para o estudo do intestino delgado ou do colón com dimensões que divergem ligeiramente, conforme o fim a que se destinam. Têm entre 24 e 32 milímetros de comprimento, pouco mais de 10 milímetros de largura, e cerca de três, quatro gramas de peso, não mais.
“São dispositivos de uso único, feitos de plástico que possuem um sistema de iluminação, microcâmara, bateria e uma ou duas lentes nas extremidades. Ao longo do seu percurso no trato digestivo, captam imagens que são enviadas para um recetor que está na cintura do doente”, adianta à NM Cristina Chagas, médica, especialista em Gastrenterologia.
O número de imagens captadas por segundo é variável, depende dos segmentos intestinais por onde passa. De qualquer forma, adapta-se para otimizar os resultados obtidos. Terminado a filmagem, as imagens armazenadas no recetor são posteriormente descarregadas num computador com recurso a um programa de software próprio. Essas imagens são depois analisadas pelo médico.
Têm entre 24 e 32 milímetros de comprimento, pouco mais de 10 milímetros de largura, e pesam cerca de três gramas
“Trata-se de uma forma disruptiva de realizar uma endoscopia digestiva, permitindo a visualização da mucosa de todo o intestino delgado através da ingestão de uma cápsula, sem recurso a endoscópios flexíveis. Atualmente, também é possível efetuar o estudo do colón através de cápsula endoscópica.” Ao facilitar o estudo completo do intestino delgado, este método de diagnóstico veio permitir ampliar os conhecimentos médicos existentes, “nomeadamente no que se refere à hemorragia digestiva de causa obscura ou hemorragia digestiva média”.
O exame com vídeo cápsula endoscópica pode ser efetuado em ambulatório e o doente pode manter a sua rotina. E pode, inclusivamente, ser efetuado em crianças. Segundo Cristina Chagas, o impacto é enorme. “No que se refere à hemorragia digestiva de causa obscura, seja na sua forma manifesta (quer dizer hemorragia de forma visível) ou na forma oculta (quer dizer não visível, manifestada sob forma de anemia ferropénica), a vídeo cápsula do intestino delgado é o meio de diagnóstico indicado depois de o doente ter efetuado uma endoscopia digestiva alta e uma ileocolonoscopia normais.”
O exame permite identificar a causa da hemorragia no intestino delgado num grande número de doentes e, dessa forma, planear e definir uma estratégia de tratamento
“A vídeo cápsula endoscópica está atualmente também indicada na vigilância de doentes com síndromes de polipose hereditários e no diagnóstico, vigilância e monitorização da resposta ao tratamento nos doentes com Doença de Crohn, onde a vídeo cápsula pode permitir a visualização da mucosa de todo o intestino delgado e do colón num único exame. A cápsula endoscópica do cólon é uma ferramenta útil nos indivíduos que tem contraindicações ou que não toleram a realização de uma colonoscopia convencional”.
Laurence Keselbrenner, especialista internacional em cápsula endoscópica, da Universidade de Telavive, destaca a utilização da inteligência artificial nesta área “Os médicos beneficiam de uma redução do tempo que seria necessário para reverem os vídeos de uma endoscopia feita com a cápsula endoscópica. Além disso, reduz a carga cognitiva associada à descoberta de patologias, especialmente em casos saudáveis em que é comum haver apenas alguns quadros individuais de anormalidade no vídeo transmitido pela cápsula.”
“A inteligência artificial preserva todas as informações clinicamente relevantes, omitindo a maioria das imagens consideradas normais e ajudando os profissionais de saúde a encontrar a chamada ‘agulha no palheiro’. Esta permite ainda aumentar a precisão do médico, destacando sempre as patologias suspeitas”, refere à NM.
A ciência não pára e alguns dos avanços realizados na área de cápsulas endoscópicas incluem um software mais robusto e de fácil utilização, de forma a suportar o fluxo de trabalho de um procedimento deste género.
Estes avanços já incluem acessórios portáteis que permitem visualizar a ação da cápsula em tempo real e sensores que podem ser utilizados num cinto, colocado em volta do abdómen do paciente, evitando o uso de cabos e antenas. “Os médicos poderão confiar cada vez mais na inteligência artificial para reduzir a sua carga de trabalho e ajudá-los a tomar a decisão certa mais rapidamente e com maior sucesso”, conclui a especialista internacional.